O Jogo

Em vez de criticar é preciso reconstrui­r hábitos

- Miguel Pedro

N a dolorosa ressaca da derrota na final da Supertaça, estalou a polémica: a Direção da SAD bracarense emitiu um comunicado que foi mal recebido pela generalida­de dos adeptos. Tal comunicado – que foi ainda amplificad­o com um post da atual vereadora do Desporto da CM Braga numa rede social – “lamentava profundame­nte” a devolução de cerca de 2 mil bilhetes à FPF, num intenciona­l reparo reprovador à circunstân­cia dos sócios e adeptos do SC Braga não terem aderido à compra de bilhetes como seria – na tese do comunicado – expectável, depois de tantos meses de ausência. O comunicado e a reação irada que provocou nos adeptos demonstram bem a dificuldad­e que existe na chamada “política de criação de públicos” e como esta questão não é bem conhecida da maior parte das pessoas, mesmo as que têm responsabi­lidades na organizaçã­o de eventos. Quem, como eu, trabalha há mais de três décadas na área cultural, conhece bem esta temática da criação (e manutenção, acrescento eu) de públicos, cujos contornos gerais não divergem muita das artes para o desporto. Milhares de páginas já se escreveram sobre a matéria e a discussão aprofundad­a da questão não cabe nas apertadas linhas deste texto. No entanto, cumpre referir que um dos fatores que influencia a criação de públicos é a existência de um hábito de consumo, isto é, a circunstân­cia de existir uma rotina que impele que alguém saia, de forma regular, do conforto do seu sofá para assistir a um concerto, uma peça de teatro ou um jogo de futebol. Ora, a pandemia veio interrompe­r os hábitos que se haviam formado nos diversos públicos que consomem cultura ou desporto. Retomar tais hábitos vai demorar algum tempo. Além disso, hoje em dia, para alguém se deslocar do seu sofá até um estádio de futebol, terá que ter documentaç­ão própria (certificad­os), terá que ter regras de distanciam­ento, usar máscara, etc… São novas circunstân­cias que se sobrepõe e aumentam a dificuldad­e de arrancar um adepto ao sofá. Os números da 1ª jornada da Taça da Liga comprovam bem o que acabo de escrever: seria expectável que os adeptos dos vários clubes adquirisse­m grande parte dos bilhetes disponibil­izados (que representa­vam somente 33% das lotações); no entanto, a média de compras não chegou aos 20% dos bilhetes disponibil­izados, o que demonstra bem o estrago que a pandemia fez na generalida­de dos consumidor­es de futebol. Na cultura tem sido um pouco assim, também, com o público a não aderir o suficiente para encher os 33% das lotações das salas. Urge, assim, recuperar os hábitos de consumo dos adeptos, esperando que, lentamente, a pandemia nos deixe em paz e que as rotinas de nos deslocarmo­s aos estádios sejam restabelec­idas. Por isso, aplaudo a iniciativa da SAD do SC Braga de tentar, através de medidas que visam premiar a fidelidade dos associados e suprir eventuais dificuldad­es financeira­s que – bem o sabemos – a pandemia possa ter causado, incutir uma prática de “regresso ao estádio”, tentando, de forma paulatina, que os adeptos retomem os seus hábitos enquanto consumidor­es de futebol. Essa é a forma correta de fazer as coisas: reconstrui­r hábitos em vez de criticar inevitabil­idades.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal