Em vez de criticar é preciso reconstruir hábitos
N a dolorosa ressaca da derrota na final da Supertaça, estalou a polémica: a Direção da SAD bracarense emitiu um comunicado que foi mal recebido pela generalidade dos adeptos. Tal comunicado – que foi ainda amplificado com um post da atual vereadora do Desporto da CM Braga numa rede social – “lamentava profundamente” a devolução de cerca de 2 mil bilhetes à FPF, num intencional reparo reprovador à circunstância dos sócios e adeptos do SC Braga não terem aderido à compra de bilhetes como seria – na tese do comunicado – expectável, depois de tantos meses de ausência. O comunicado e a reação irada que provocou nos adeptos demonstram bem a dificuldade que existe na chamada “política de criação de públicos” e como esta questão não é bem conhecida da maior parte das pessoas, mesmo as que têm responsabilidades na organização de eventos. Quem, como eu, trabalha há mais de três décadas na área cultural, conhece bem esta temática da criação (e manutenção, acrescento eu) de públicos, cujos contornos gerais não divergem muita das artes para o desporto. Milhares de páginas já se escreveram sobre a matéria e a discussão aprofundada da questão não cabe nas apertadas linhas deste texto. No entanto, cumpre referir que um dos fatores que influencia a criação de públicos é a existência de um hábito de consumo, isto é, a circunstância de existir uma rotina que impele que alguém saia, de forma regular, do conforto do seu sofá para assistir a um concerto, uma peça de teatro ou um jogo de futebol. Ora, a pandemia veio interromper os hábitos que se haviam formado nos diversos públicos que consomem cultura ou desporto. Retomar tais hábitos vai demorar algum tempo. Além disso, hoje em dia, para alguém se deslocar do seu sofá até um estádio de futebol, terá que ter documentação própria (certificados), terá que ter regras de distanciamento, usar máscara, etc… São novas circunstâncias que se sobrepõe e aumentam a dificuldade de arrancar um adepto ao sofá. Os números da 1ª jornada da Taça da Liga comprovam bem o que acabo de escrever: seria expectável que os adeptos dos vários clubes adquirissem grande parte dos bilhetes disponibilizados (que representavam somente 33% das lotações); no entanto, a média de compras não chegou aos 20% dos bilhetes disponibilizados, o que demonstra bem o estrago que a pandemia fez na generalidade dos consumidores de futebol. Na cultura tem sido um pouco assim, também, com o público a não aderir o suficiente para encher os 33% das lotações das salas. Urge, assim, recuperar os hábitos de consumo dos adeptos, esperando que, lentamente, a pandemia nos deixe em paz e que as rotinas de nos deslocarmos aos estádios sejam restabelecidas. Por isso, aplaudo a iniciativa da SAD do SC Braga de tentar, através de medidas que visam premiar a fidelidade dos associados e suprir eventuais dificuldades financeiras que – bem o sabemos – a pandemia possa ter causado, incutir uma prática de “regresso ao estádio”, tentando, de forma paulatina, que os adeptos retomem os seus hábitos enquanto consumidores de futebol. Essa é a forma correta de fazer as coisas: reconstruir hábitos em vez de criticar inevitabilidades.