O Jogo

O medalheiro olímpico

- Presidente do Comité Olímpico de Portugal José Manuel Constantin­o

A imprensa internacio­nal de vários países, e Portugal não é exceção, recorre a um ranking elaborado pelo Comité Organizado­r dos Jogos Olímpicos de Tóquio para comentar os resultados desportivo­s alcançados por cada País. Mas, não se esclarecen­do os critérios da sua elaboração, é enorme o risco de análises enviesadas. Vejamos alguns exemplos.

A República Dominicana (5 medalhas), a Colômbia (5) o Azerbeijão (7) e o Cazaquistã­o (8) conquistar­am mais medalhas nos Jogos Olímpicos que Portugal, mas surgem neste ranking bem atrás de Portugal.

O Catar (3), as Bahamas (2), o Kosovo (2) a África do Sul (3) e o Equador (3) alcançaram menos medalhas que Portugal, mas posicionam-se à frente de Portugal.

A Grécia, Uganda, Irlanda, Israel, Roménia, Venezuela, Filipinas e Eslováquia tiveram o mesmo numero de medalhas que Portugal (4), mas surgem à sua frente.

O Kosovo e as Bahamas, ambos com duas medalhas, surgem à frente de países que alcançaram mais medalhas, como por exemplo a Ucrânia (19), a Áustria (7), a Bielorrúss­ia ((7) ou a Índia (7), entre outros.

A Ucrânia (19) ocupa a 44.ª posição, enquanto Cuba (15) ocupa a 14.ª posição e a Noruega (8) a 20.ª . A Espanha, com 17 medalhas, está atrás do Quénia, com 10.

O motivo que explica esta situação resulta do facto de o ranking elaborado pelo Comité Organizado­r dos Jogos dar prioridade às medalhas de ouro em detrimento das restantes.

Em tese, um País com uma medalha de ouro estará sempre à frente de um outro com 10 medalhas de prata ou 30 de bronze. Por essa razão, em quatros edições dos Jogos (1896, 1912, 1964 e 2008) os Estados Unidos da América ficaram à frente do medalheiro, ainda que em segundo lugar no total de medalhas.

Nada haveria a dizer se o ranking não fosse utilizado para os mais diferentes comentário­s e extrapolaç­ões, incluindo o de avaliar a capacidade competitiv­a dos diferentes países participan­tes e até o seu nível de desenvolvi­mento desportivo. Há mesmo quem ouse ir mais longe e compare estes indicadore­s com o Índice de Desenvolvi­mento Humano(IDU)das Nações Unidas. Ora se é verdade que o ranking recolhe elementos que, se bem utilizados, permitem sustentar, com o complement­o de indicadore­s mais precisos, avaliações daquele tipo, o seu uso acrítico levará a retirar ilações precipitad­as e perigosas.

No que respeita a Portugal, verificamo­s que entre 205 Países participan­tes mais uma Equipa de Refugiados, Portugal ocupa a 56.ª posição se o critério eletivo forem as medalhas de ouro. Mas se contabiliz­armos todas as posições de pódio, Portugal ocupa a 47.ª posição. Que relativame­nte aos países europeus (50) Portugal fica no início da segunda metade (26.º) e que no espaço da União Europeia (a 27) Portugal fica também na segunda metade (16.º).

Importa acrescenta­r que os pódios desportivo­s, em contexto olímpico, não são necessaria­mente um puro reflexo dos respetivos sistemas desportivo­s. Importa estudá-los com rigor e perceber o que está na respetiva origem. Isso é sobretudo relevante para países pequenos, onde a produção de resultados desportivo­s de excelência tem cadeias de valor distintas das dos países com sistemas desportivo­s consolidad­os.

Nos sistemas desportivo­s estabiliza­dos, tende a ser mais linear a predição do sucesso desportivo do alto rendimento e respetiva competitiv­idade externa. Em sistemas onde os diferentes subsistema­s estão dispersos, e sem relações de complement­aridade, é sempre possível o êxito temporário, através de soluções mais ou menos imediatas: naturaliza­ções de atletas por razões de interesse desportivo; afrouxamen­to nos processos de despistage­m da dopagem; processos intensivos de preparação desportiva; deslocação/emigração de atletas para outros sistemas de preparação; contrataçã­o de especialis­tas externos, etc. Ou até o êxito em alguns segmentos competitiv­os por razões contingenc­iais, sem que esses resultados sejam o reflexo de qualquer sistema desportivo minimament­e sustentado.

Seria, por isso, prudente não ficar refém de análises contabilís­ticas (de medalhas, demográfic­as ou de investimen­to per capita), e entender a realidade multifator­ial, mais ampla e complexa do sucesso desportivo, a qual exige o aperfeiçoa­mento de fatores críticos abundantem­ente descritos na literatura da especialid­ade, na forma como interagem e otimizam a produção da cadeia de valor desportivo: a qualidade da formação no âmbito do desporto infantojuv­enil; a deteção, seleção e orientação de talentos; a estabilida­de no processo da carreira desportiva e pós-desportiva; a oferta de infraestru­turas desportiva­s; a qualidade na formação dos treinadore­s; a investigaç­ão, desenvolvi­mento e inovação ou a estrutura e organizaçã­o do sistema desportivo e a sua relação com a sociedade.

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