A caminho da tabuleirização do futebol
Para além de febre, tosse seca, máscaras, vacinas e teletrabalho, a pandemia trouxe duas substituições extra que estão a mudar o futebol lentamente e em direções imprevisíveis
J orge Jesus arriscaria sete mudanças no onze do Benfica se não pudesse fazer cinco substituições? O meu amigo Luís Freitas Lobo acha que esta repentina orgia de trocas, que a pandemia e a FIFA lançaram (numa inédita parceria entre agentes patogénicos), tornou os treinadores piores - e não faltam exemplos a dar-lhe razão. Perante a possibilidade de mudarem cinco jogadores, alguns acabam a comportar-se como heroinómanos. Mas isso é temporário. A médio prazo, eles dominarão a nova ciência e dar-lhe-ão usos imprevistos. No FC Porto-Arouca, Sérgio Conceição começou com um onze vertical, de poucos toques na bola, e acabou quase com um mini Barcelona. Cinco substituições chegam para mudar a alma de uma equipa e, se calhar, também do futebol como o conhecemos. Aquilo que o Luís pressente hoje como caos decorrente da incontinência dos treinadores pode facilmente evoluir para um jogo novo, a que poderemos chamar futebol à Groucho Marx: esta é a minha identidade, se não funcionar, tenho outras. Por agora, vamos lendo os sinais. Teria Jesus mudado tanto o onze se não tivesse a o privilégio de corrigir metade dele? Ou estarão os treinadores, por exemplo, mais disponíveis para arriscar em jogadores incertos por não temerem queimar uma substituição? Ou ainda, voltando ao Benfica, quando houver matéria suficiente para estudar o assunto, descobriremos que as expulsões, como a de Lucas Veríssimo em Eindhoven, corresponderão a menos derrotas? E volto à objeção de sempre. Para além de beneficiar os planteis mais ricos, a nova regra beneficiará também os cérebros mais caros, dando-lhes novas formas de fazerem do futebol cada vez menos um jogo de jogadores e cada vez mais um jogo de treinadores.