Luís Freitas Lobo
1 A frase aparentemente desconexa dita, no passado, por um velho treinador espanhol, impotente para saber como contrariar a forma de jogar da equipa adversária, assaltou-me a cabeça esta semana vendo como o Palmeiras jogava (e ganhava) mais um duro confronto: “É muito difícil tirar-lhes a bola, porque eles raramente a têm!”
Sem mexer um nervo da face, a postura tática da equipa de Abel (com 11, dez ou nove) tem o rigor mais matemático e venenoso que hoje se pode ver pelos grandes relvados mundiais.
Já se libertou das amarras da imagem da equipa com base de contenção defensiva para depois sair rápido a ferir (potencial estratégico que ainda tem e no qual se sente na sua casa) para também ter uma postura de ataque continuado organizado envolvendo os três corredores, mas a forma como susteve o At. Mineiro de Cuca foi, no plano de reação ao jogo, mais um exemplo daquela sua génese.
Um estilo que mesmo sem ter a bola sente-se estar a controlar o que está a acontecer em campo, como se determinasse exatamente por onde o jogo deve andar, quase dando a sensação de hipnotizar o adversário até este só cometer erros mesmo tendo quase sempre a bola.
A questão, porém, é mesmo essa: enquanto o adversário (neste caso o At. Mineiro) tinha a bola, o Palmeiras tinha o jogo! Qual é o mais importante? Parece um contrassenso mas nas leis do futebol tático moderno, é a segunda 2 que, tantas vezes, manda no resultado final. E assim foi. A frase estranha mas taticamente notável do início do texto, traduz o que sentia o At. Mineiro mas, no fundo, o que eles queriam mesmo era tirarlhes o jogo (não a bola, que já tinham).
Não o soube fazer por falta de visão tática. Exageraram em tentar entrar pelo centro (querendo meter-se por dentro do bloco palmeirense) e nunca souberam abrir o jogo, nem, com superioridade numérica, ativar uma rápida circulação de flanco para flanco até fazer dançar (abrir brechas) as duas linhas recuadas (uma de cinco e outra de três mais um), o que faria o dez do Palmeiras sem sair na pressão - este ficou só cirurgicamente posicionado na organização. Assim, o Verdão levou o jogo para os penáltis e ganhou.
A Copa libertadores volta a afirmar o domínio brasileiro. Três equipas nas meias-finais. O intruso é o Vélez
3 argentino (que afastou outra equipa argentina, o Talleres). Não tão informatizado como o Palmeiras, mas também decalcado dos rigores táticos atrás da linha da bola, o At. Paranaense de Scolari também se meteu neste nível.
Venceu com um golo de um garoto que vai para craque (Vitor Roque, 17 anos, que entrara pouco antes) no último minuto com o Estudiantes. Na postura, sempre o rigor dum 4x2x3x1 que sabe bem o que pode fazer em campo (e, por isso, evita fazer o que não pode ou, pura e simplesmente não sabe).
Neste contexto, Felipão é mais
A incrível epopeia do Palmeiras de Abel continua!
treinador do que quando tem equipas com potencial para mandar no jogo. Não faltam, sabemos bem, exemplos disso no passado. Montando bem o posicionamento coletivo mesmo sem bola, aguentou o jogo que sabia não poder dominar. Restava poder... controlar.
É, admito, um pouco perturbante que sejam estas premissas de futebol que fazem a essência destas equipas brasileiras que seguem mais longe na dimensão internacional sul-americana mas não tentem procurar questões morais no meio disto tudo. Pode causar tonturas e alucinações.
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A outra equipa em destaque, é o Flamengo, reinventado por Dorival Júnior. Pegou nos “cacos táticos” deixados por tantas mudanças de Paulo Sousa e montou um 4x4x2 losango que até parece agora jogar de olhos fechados. Tem um n.º 6 (volante central) que tira e joga, o Thiago Maia, desviou uns metros para meia-esquerda o poder de segurar a bola do João Gomes, soltou o Éverton Ribeiro, quando tem a bola, desde a meia-direita, e deu o “espaço 10” ao futebol pensado com técnica e inteligência móvel de Arrascaeta. Depois, na frente, a dupla Pedro e Gabigol.
Em suma: o Dorival tem um plano e os jogadores sabem sempre o que fazer em campo. Às vezes parece difícil fazer o simples.
“É muito difícil tirar-lhes a bola, porque eles raramente a têm!”