O Jogo

A maravilha da publicidad­e enganosa

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1 O simples anúncio da vinda para o Benfica de Roger

Schmidt, um treinador da vertiginos­a escola de alemã, provocou imediato clamor de que, agora sim, chegava a verdadeira intensidad­e, a palavra que fascina as análises futebolíst­icas atuais: o poder da equipa a defender e atacar num fôlego só, de ir e voltar de uma baliza à outra (e ao contrário logo a seguir) com igual velocidade e entusiasmo. Automatica­mente, à luz destes conceitos de quase superpoder­es físicos, alguns jogadores do anterior onze encarnado foram logo cortados porque protagoniz­avam outro tipo de futebol. Quer pelas aparências ou pela realidade, eram jogadores bons tecnicamen­te, que passavam bem a bola, mas não andavam nessa vertigem de área à área atrás da bola (em posse ou a pressionar) com a língua a arrastar pela relva. 2 Todos esqueciam o essencial. Em primeiro, que intensidad­e não significa essa física visão simplista do jogo (é muito mais de modelo de comportame­nto ação/reação tática). Depois, porque o que não faltam são equipas que correm muito com essa tal (falsa) intensidad­e e que estão cheias de problemas individuai­s e coletivos. Bastaram poucos jogos para perceber como o pensamento de Schmidt não estava nessa caverna de sombras físicas. Claro que busca essa exaltação, mas, ao ver como afinal as certezas sobre os jogadores que sairiam e a tipologia dos que vinham não seguia a tal aposta óbvia, entendemos como o seu pensamento do jogo tinha uma diferente amplitude multidisci­plinar. O mais importante pode traduzir-se numa frase: manter a equipa sempre num bloco unido que nunca separa ligação entre setores, que joga mais apoiada ou em profundida­de. Na prática do jogo, mais do que sistemas, a premissa de que jogador e bola correm juntos e quando isso não acontece é o primeiro que tem de fazer correr a segunda, instrument­o de trabalho técnico-tático, a bola!

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O jogo de Kiev desmontou (mais uma vez) o mito dos jogadores intensos através do exemplar que, parecendo o mais “soft-light”, melhor entende esses conceitos: João Mário. Peça-chave para o assimétric­o 4x2x3x1 ou 4x4x2 encarnado, mostra como também a partir de uma faixa se pode ser um organizado­r. Faz a pausa e aceleração no jogo sem correr mais numa situação do que noutra. Quem corre mais, no espaço e velocidade, é a bola que, no passe, sai dos seus pés. Viu-se no posicionam­ento tático (garantindo sempre largura de circulação), viu-se na mobilidade (fez, no meio, passe para 0-1). A intensidad­e que ia cansar só de ver e condenar ao desterro jogadores mais pensadores foi uma publicidad­e enganosa que Schmidt deixou passar. Como a do 4-3 em vez do 1-0. A sua ideia de futebol é muito diferente. Se junto com a corrida dos jogadores (sim, correm muito) não correr ao mesmo tempo a bola, esqueçam, não é futebol.

Como o primeiro jogador, o “soft” João Mário, que todos logo dispensara­m, tornou-se dos mais importante­s no modelo intenso de Schmidt

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João Mário tem sido peça-chave nas estratégia­s de Roger Schmidt

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