“Mundos perdidos”: Os jogadores do Povo!
1 Chamam-lhes “os jogadores do povo”. A definição, profundamente emocional, emerge daquilo que eles transmitem de diferente ao corpo e sentimento de quem gosta de futebol ou, a cada caso concreto, dos seus clubes e encontra neles o símbolo e valores afectivos que os tempos cada vez mais esbatem.
No passado não terá existido maior exemplar dessa devoção do que Garrincha. A sua vida confunde-se com a lenda, mas, além dos seus dribles desconcertantes como “o anjo das pernas tortas”, mais bonita foi a forma como ficou eternamente conhecido tal a maneira como todos o adoravam. A“Alegria do Povo”. Virou nome de filme e mito eterno, até na decadência, atravessando gerações.
Já não existem, claro, jogadores com o encanto e mistério a preto-e-branco como estes, mas ainda existem alguns que desafiam essa lógica anti-emocional do futebol Séc.XXI.
Por isso, o diário “Olé”, jornal lindo argentino, resgatava aquela definição para explicar o que tinha sido o primeiro regresso de Carlos Tevez à Bombonera desde que deixou de jogar, reaparecendo agora como adversário, treinando o Rosário central, onde há poucas semanas começou carreira nos bancos.
2 A forma como foi recebido, com todo o Estádio em delírio gritando seu nome, fezme recordar em Março de 2020 quando realizou um dos seus derradeiros jogos pelo Boca, decisivo para o titulo argentino então ganho com um golo seu.
Nesse dia, antes do inicio, sucedera o mesmo e o saudado de forma enlouquecida fora Maradona, então treinador do Gimnasia, enquanto caminhava já com muitas dificuldade nos joelhos até ao banco. Nessa noite eterna, a imagem de Tevéz a ir ter com Diego e saudá-lo com um abraço e beijo na boca, foi como tocar a alma do “fútbol”.
Agora, no regresso do “Apache” a emoção recriou-se também com a entrega dum enorme quadro emoldurado com a camisola 10. Quando Tevez a levantou, a Bombonera explodiu gritando por ele como não faz nem na melhor jogada dos jogos atuais. Seguiu-se o desfile de
Ainda existem alguns jogadores que desafiam a lógica anti-emocional do século XXI
tantas, tantos, para o saudar e abraçar. Um “bostero” real com 274 jogos, 94 golos e 11 títulos com o símbolo do Boca onde se fez homem. Depois foi o jogo, o menos dessa noite, acabou 0-0 e o Rosário falhou um penalty.
3 Até quando poderemos ter jogadores-sentimentos destes? Luiz Suarez passou um pouco disso no seu regresso ao Nacional, no Uruguai, ou Totti, na sua despedida em Roma e o discurso no meio do Estádio após o último jogo: “Tenho medo, estou num local que não conheço, preciso que vocês me ajudem!”.
Jogadores destes, com este poder de comunhão de emoções, não voltam mais. Este mundo é outro. Sobretudo na Europa. A América do Sul ainda tem alguns refúgios mais resistentes. Um dos momentos recentes mais fortes desse “mundo perdido” foi a despedida do Fred (obrigado a parar, aos 38 anos, por problemas na vista) no Fluminense. Era apenas mais um jogo do campeonato brasileiro, contra o Ceará, mas como se sabia que seria o seu último jogo, os bilhetes esgotaram com semanas de antecedência para o saudar entre músicas (“o Fred vai-te pegar!”), lágrimas e gritos enlouquecidos.
Só entrou perto do fim e o tempo da despedida, com o Maracanã cheio, superou os 90 minutos do jogo. Faltou ao Fred consumar o maior desejo (a segurança não deixou) que ele pedia cá de baixo, para os adeptos abrirem um corredor na bancada e ele poder subir nela até ficar no meio dos torcedores confundindo-se com eles. A comunhão total do “jogador do povo”.
4 Emoções dum futebol que desaparece. Não só os jogadores, como também os velhos Estádios. Por isso, achei fabuloso quando o Vicente Calderón do At. Madrid foi demolido, o clube decidiu doar os seus “órgãos”. Isto é, as balizas, bancos de suplentes, cadeiras, relva, tudo foi destinado para clubes modestos para os aproveitarem e hoje estão espalhados por campitos da grande Madrid.
Assim, o Calderón viverá para sempre nesses símbolos. Mágico! Quem não sente, não entende.