O estranho brilho da tua ausência
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Uma das melhores formas de perceber a importância de um jogador numa equipa é vendo como esta reage sem ele. Não pode ser, naturalmente, uma opção de observação intencional mas basta não ter esse(s) jogador(es) num jogo para isso se perceber.
É um exercício ideal sobretudo para aqueles jogadores mais criticados. Os tais que são julgados sumariamente por poucos perceberem bem o que é o seu jogo (e sua importância na equipa mais do que no plano individual ).
São jogadores que precisavam de ter um livro de instruções para poder ser consultado por quem o está a ver. O caso de Paulinho e o cerco de análise em que vive (sempre viveu) no Sporting é perfeito para esse exercício . 2
Os últimos jogos em quebra exibicional do Sporting têm sido, sobretudo, vistos pela falta de Matheus Nunes mas, independente da sua importância no meio-campo, a equipa tem outros setores e fatores sensíveis no plano das carências do seu melhor jogo. A forma de jogar dum n.º 9 que acusam de não marcar golos mas que fazia outros marcar na gestação dos seus movimentos e apoios (em arrastamentos sem bola ou jogando/entregando de costas) é hoje, por não estar a jogar, um vazio de ação inteligente que se sente nas jogadas de ataque leoninas (que permanecem no ataque em “2x1” ). Muitos dos golos de Pote e Sarabia tiveram esta raiz de movimentos do n.º 9 que em vez de jogar contra a baliza adversária joga essencialmente com a sua equipa. É disso que os princípios de Amorim precisam dessa posição. Sem Paulinho, não existe ninguém que faça essa missão. Nem o “falso 9” é solução.
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A ideia de que o jogador moderno tem que fazer mais do que uma posição é, em teoria, correta, mas não ao ponto de perder o princípio de especialização que potencia o que faz melhor.
Ou seja: para ser um jogador especial, essencial mesmo sem ser fenomenal, é necessário encontrar o seu melhor lugar em campo e na relação com a equipa, a sua referência (para ele e dele para a equipa) e capacidade de executar as melhores jogadas que sabe (para a equipa, outra vez). Cada jogador, cada pontade-lança (verdadeiro, falso ou híbrido) faz isso da sua maneira. Se há situação em que o egoísmo é uma virtude é na execução da “profissão” de ponta-de-lança, mas nem todos os momentos são ideais para esse ego suplantar quem está ao lado em relação à baliza, mesmo que esteja mais distante. Como são os momentos que contêm princípios de jogo (e não o contrário), o estilo do Sporting construir as suas jogadas de ataque até solicitar a finalização (mais para quem aparece do que para quem está...) é o exemplo perfeito disso. É nesse contexto que a tese de observação de início do texto se confirma. É o estranho caso dos jogadores que brilham pela ausência. O mistério de Paulinho no mundo verde. que se começa a preparar uma época necessitam de ser mais exatas e mais claras.
Em síntese, explico a situação atual de forma simples: no futebol, como em quase todas as empresas/profissões, existe hoje uma epidemia de informação e, ao mesmo tempo, faltam mais observadores capazes de ver e entender os detalhes.
Há demasiada gente metida nas estruturas de futebol dos clubes. O conhecimento vai muito além da (fácil) informação.
Entendendo o Sporting, entendendo Paulinho sem jogar