Luís Freitas Lobo
1
No futebol, por princípio, não existem ações, existem interações. O jogo pode ter, muitas vezes, a exaltação individual, mas sempre que esta acontece tem, na génese, uma moldura coletiva que a envolve e proporciona. A famosa eficácia (após a dinâmica) depende de muitos fatores, conhecidos (a estrutura que define ação/interação) ou inesperados (a incerteza da finalização).
Penso nisso, madrugada dentro, vendo a exibição de ponta-de-lança completo Pedro no ataque do Flamengo, imparável no relvado queimado do Vélez Sarsfield. Três golos de “killer instinct” com subtileza técnica, entrando nos tempos e espaços certos na hostil área argentina.
A dimensão que Pedro atingiu nesta fase, em termos de “n.º 9 puro especialista”, impressiona tanto como confirma aquilo que se via e pressentia no seu futebol desde a origem (mesmo na fase “objeto misterioso” na Florentina). Em Itália, não tinha, no fundo, o impulso da interação. Em suma: exigiam-lhe dinâmica e eficácia sem contexto de jogo de equipa para o fazer.
2
Vemos jogar este reinventado Flamengo de Dorival Júnior e vemos a reinvenção dum conceito de equipa. Dorival tem um plano, gritam os brasileiros. No onze, ele nasce dum losango (desenho tático móvel do meio-campo) que criou após a lesão de Bruno Henrique que (quase) obrigava a equipa a jogar em 4x3x3 com extremos e sem conseguir encaixar Pedro, o jogador que todos percebiam tinha de ser titular mas não tinha estatuto para o exigir. Quando o espaço se abriu para mexer no sistema, ele entrou.
A dupla de ataque desse 4x4x2 não nasceu nele mas sim noutra reinvenção: Gabigol deixou de ser o homem-golo para ser mais o avançado que joga em torno do n.º 9 puro, Pedro. Podia temer-se que, ficando mais longe do golo, tenderia a (perdendo esse protagonismo de ego a festejar) desestabilizar e criar um problema. Pelo contrário, criou uma solução.
Agora, é ele que vai para os espaços mais difíceis de ser marcado, recua ou abre (já tinha, noutra vida tática, rotinas de arrancar desde a faixa) e mais do que o remate destaca-se pelo... passe. Para Pedro, claro. Hoje sim, vejo Gabigol como um jogador a sério.
3Essa inteligência está em perceber sempre onde se colocar para mais perturbar a estrutura defensiva adversária e dar eficácia (reparem a palavra a surgir sem ter nada a ver com o mero ato da finalização) ao mais difícil numa equipa: descobrir os melhores espaços para, entrando neles, criar oportunidades de golo.
Esses espaços, quando criados são, como lhes chamou Guardiola, os “espaços indefensáveis”. Basicamente, nascem entre linhas da interação mesmo com quem não toca na bola: os alas abertos (sejam extremos puros ou laterais subidos a atacar) que forçam a defesa adversária a alargar o mais possível e abrem (de cada lado) espaço entre lateral e central.
Esses espaços abertos são indefensáveis com um passe ou rutura desde trás entre eles. É muito por isso que tantas equipas começam a usar linhas de 5 a defender mas, mesmo assim, com a tal interação inteligente esses espaços podem surgir. A forma como o Manchester City faz/provoca isso é exemplar.
Princípio Gabigol: no futebol não existem ações, existem interações
4O Brasil é historicamente um país de avançados embora hoje na seleção não exista nenhum super craque goleador. A aliança Gabigol-Pedro mostrou uma nova forma com igual princípio de criar esses tais “espaços indefensáveis”. A bola não pode ser só lançada para o ataque. Ela tem de ser conduzida com inteligência e passes precisos com entendimento do jogo. A jogada individual raramente está isolada do jogo coletivo (por mais impercetível que este seja nesse momento sobrenatural do craque).
Nesta criação, Pedro torna-se um ponta-de-lança de nível de seleção brasileira. Claramente. Sabe jogar na área e fora dela sem perder nunca o primado de estar nela no momento certo. Depois, claro, é a qualidade de execução técnica de finalização. A última palavra sobre o entendimento do jogo.