Plenamente convictos de coisas diferentes
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Há jogadores que, por vezes, parecem jogar sem convicção. Ou então estarei a ver mal, estão é a jogar com convicção a mais. São casos em que a expressão do talento (que têm, até parados com a bola à frente) parece insolente. Esta “tese das convicções” no futebol nunca será fácil de julgar mas há momentos em que tudo parece simples. As travessuras e doçuras de Edwards na Alemanha jogaram nestas fronteiras. Nas fintas, simulações que enganam, passes e remate. Com convicção simplificada. O seu anterior treinador em Guimarães chamava-lha “soneca”. É um bom nome. Até para a sua imagem que quando, de repente, vemos num grande plano televisivo, parece sempre de alguém que está a acabar de acordar.
Nesse estilo e gestos, fez da defesa germânica um parque de diversões. E, com “transfer direto” para a equipa, o jogo das convicções de Amorim (sistema e dinâmicas) também voltou a ter razão. Sem margem para discussão. Do meio-campo a subir no paciente ritmo asiático (Morita), distinto daquele de condução vertical dos n.º 8 antecessores, até à frente de ataque sem “n.º 9 referência” mas com três duendes que pregam partidas. Quando findou o jogo e esfregou os olhos, como que ainda a espreguiçar-se, a cara de Edwards parecia perguntar: “Já acabou, era só disto que precisavam?”. 2
A posição voltou a existir mas a forma dela se expressar em campo mudou. Conceição viu em Eustáquio o melhor exemplar disponível para voltar a jogar com um n.º 8 (deixando, nas variantes do 4x4x2, o losango e voltando ao clássico), mas o jogador faz a posição de forma diferente dos “come-metros em posse” que antes fizeram quilómetros pelo corredor central noutra expressão tática. Eustáquio é o tipo de n.º 8 que, mais do que sair a correr com a bola, prefere adiantar-se sem ela (pelos mesmo espaços que outros faziam com ela) e recebê-la mais à frente onde, depois, segue taticamente o seu caminho de encontro à equipa. Atrás, Uribe percebe isso e também joga diferente. Fixa-se menos na maioria do tempo para não se perder a ligação entre os dois e assim o n.º 8 renasce no jogar portista.
O jogo de Madrid foi perfeito para perceber esta nova forma de ligar linhas e espaços no meio-campo. No fundo, a posição tornou-se mais da equipa do que do jogador. Eustáquio é, nesse sentido, um jogador taticamente comunitário que incorpora essas ideias com convicção (outra vez esta palavra) e eficácia.
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Cada equipa tem os seus problemas. Amorim e Conceição vivem em mundos diferentes na forma como olham para eles. Terão as mesmas convicções, mas enquanto um aposta na manutenção, outra busca a transformação. Há, porém, um ponto de cruzamento entre estas duas formas de agir aparentemente opostas. Os jogadores, do duende Edwards ao relógio Eustáquio, sabem isso. Tão distantes no estilo, tão próximos nas convicções.
O duende Edwards e o relógio Eustáquio. Distantes no estilo, próximos nas convicções