Vítimas na bancada, vilões no gabinete
Episódios como aquele de anteontem, em Famalicão, onde uma criança teve de assistir ao jogo com o Benfica sem camisola, por estar numa zona de adeptos destinada à equipa da casa, são a antítese da promoção do futebol. Por outro lado, só os mais desatentos poderão encarar a situação com grande espanto, uma vez que pode acontecer em qualquer estádio das ligas profissionais (e acontece), a coberto do Regulamento de Competições. O art. 13 do anexo VI do documento, que prevê a separação dos adeptos nos jogos de alto risco, existe porque o sentimento tribal próprio do futebol resvala muitas vezes para a completa ausência de bom senso e violência gratuita.
Uma camisola ou cachecol rival na bancada, mesmo na pele de um adolescente, conjugado com uma dose boa de estupidez, pode ser rastilho para problemas. A decisão de não permitir adereços do clube visitante numa determinada zona pertence ao organizador do jogo. A situação repete-se, normalmente as “vítimas” são os simpatizantes dos clubes que arrastam multidões, mas estes, estribados nos mesmíssimos regulamentos, também impõem as práticas nos seus estádios.
O ideal, de facto, seria cada um poder ver o futebol onde lhe apetece, sem se preocupar com a segurança. No mundo real, porém, não é assim. A inexistência desse conto de fadas obriga a adotar medidas preventivas, de resto, até previstas na lei da Violência no Desporto. É evidente que, sem enquadramento e com a poluição das redes sociais a ajudar, qualquer um fica chocado com o episódio de Famalicão. Até o presidente da Liga Portugal, Pedro Proença: “Não é este o futebol que queremos”, disse, a propósito, numa publicação na Internet. Pois bem, qualquer caso, e já aconteceram muitos, pode ser bom catalisador para a mudança. É só meter mãos à obra, em conjunto com clubes, que vestem a pele de ofendidos quando os seus adeptos são vítimas mas, no fundo, se há vilões nesta história, também são eles, que aprovam os regulamentos.