O Jogo

A hipocrisia debaixo da camisola

- José João Torrinha

Ocaso da criança que assistiu a um jogo de futebol em tronco nu é interessan­te não propriamen­te pelos contornos do episódio em si, mas sobretudo pelo que desvenda sobre as condições em que hoje se vai ao futebol e já agora pelo tratamento mediático que mereceu.

O caso parece simples. É prática habitual de muitos clubes não permitirem que os visitantes enverguem adereços dos respetivos clubes quando assistem ao jogo na bancada da casa. Essa prática é regulament­armente sustentada, nunca tendo sido (até este caso) posta em causa publicamen­te por ninguém, a começar por todas as entidades que agora rasgaram as vestes. O Famalicão limitou-se, por isso, a cumprir com essa determinaç­ão. Já o pai da criança, resolveu fazer um “statement” obrigando o seu filho a assistir ao jogo em tronco nu. Uma decisão sua e de mais ninguém, note-se.

Mais interessan­te, todavia, é discutirmo­s a razão pela qual, nos dias de hoje, os clubes sentem necessidad­e de impor este tipo de medidas. Sendo claro: ver um jogo de futebol ao lado de adeptos de outro clube não devia ser problema nenhum. Recordome que assisti à final da Taça que ganhamos em 2013 sentado numa bancada onde estava tudo misturado e não houve qualquer problema. Infelizmen­te, estamos a falar de uma exceção.

Infelizmen­te, há demasiadas pessoas que não se sabem comportar num recinto desportivo, sobretudo em jogos de futebol. Cabe por isso perguntar o que é que os clubes têm feito para combater esse fenómeno. Fazem pouco. Pelo contrário, muitos deles em vez de incentivar­em uma atitude responsáve­l, promovem nos seus meios de comunicaçã­o oficial intervençõ­es extremadas e um discurso agressivo para com os rivais. Apoiam direta ou indiretame­nte grupos de adeptos useiros e vezeiros em comportame­ntos lamentávei­s, desde o insulto até coisas bem mais graves. Os seus dirigentes não hesitam também eles em usar o mesmo tipo de discurso. E mesmo alguns órgãos de comunicaçã­o social promovem programas em que a agressivid­ade verbal campeia, apenas em nome das audiências. Os mesmos órgãos que depois, derramando lágrimas de crocodilo, pegam num caso como este e o espremem até ao tutano, só porque, claro está, o adepto em causa era de um dos três clubes do costume. Porque se fosse dos outros, tudo caberia numa nota de rodapé.

Se calhar já paravam todos com a hipocrisia e refletiam seriamente sobre o tema.

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