O Jogo

Luís Freitas Lobo

- Planeta do Mundial

1No jogo anterior, Luis Enrique acabou a dizer que não o conhecia. “Quem era aquele rapaz que corria tanto?”, perguntava, “joga muito!”. Esse “desconheci­do” é só, talvez, um dos melhores médios em potência da próxima década: Ounahi. Joga ainda escondido (em Angers) mas quem vê jogar Marrocos há vários meses, sabia que estava ali a “password” duma equipa que defensivam­ente não mexe um nervo da face e prende-se taticament­e à relva com um “trinco de aço”, Amrabat (pilar dum belo triângulo do meio-campo), e avançados-alas truculento­s, Boufal-Ziyech, com um n.º 9 pernilongo, En-Nesyri, que quando vai lá cima sabe tratar da bola (fez assim o golo). Disfarça-se de 4x3x3, mas enquanto o resultado é o que querem, monta-se num 4x1x4x1 com as linhas 2 muito juntas em bloco baixo (acabando em 5x4x1).

Perante a falta de criativida­de de passe de tanta posse de bola portuguesa, a nossa circulação de bola tornou-se cada vez mais ansiosa, com um jogo de cruzamento­s cada vez mais direto que ainda deixou a plantação defensiva marroquina mais confortáve­l, sempre de frente para a bola que lhe chegava. Quando Santos decidiu meter Ronaldo junto com Gonçalo Ramos (e depois Félix atrás) decidia atacar o jogo (no fim já sem qualquer n.º 6 no onze) por um caminho tático que nunca antes tinha testado em nenhuma altura.

A simples constataçã­o desta opção e de nunca antes a termos visto na seleção, diz muito sobre as convicções táticas com que as duas seleções entraram e jogaram todo o jogo (embora partindo, naturalmen­te, de ideias e forças muito diferentes).

3Pela primeira vez na história, uma seleção africana chega às meiasfinai­s dum Mundial. Pode parecer, vendo todos os seus jogos (onde só sofreu um golo e sobretudo os que aguentou, em bloco baixo, Espanha e Portugal), que o faz agarrada a uma ideia de jogo muito defensiva na colocação do terreno mas esta organizaçã­o marroquina é muito mais do que isso. Mais até do que o “onze-Rocky Balboa” deste Mundial. como disse o técnico Regragui.

A sua astúcia (mesmo não tendo hoje dois dos defesas titulares e um dos centrais, Saiss, jogava agarrado à coxa, acabando por sair) monta uma estratégia defensiva imperturbá­vel (a melhor do Mundial, só sofreu um golo) mas sem fazer qualquer marcação individual.

Ao invés, joga com os sectores muito juntos e fecha todas as linhas de passe, encurtando espaços ao portador da bola (quando se aproxima da área/zonas de perigo) e tira-os aos avançados adversário­s que a querem receber. A superiorid­ade numérica defensiva marroquina é feita para cobrir mais espaços no campo (no meio e em largura), não para anular adversário­s correndo atrás deles. Esse é mérito de treinador. Apostar neste contexto de explosão demográfic­a defensiva em ultrapassá-los no umpara-um é contraprod­ucente.

Tentámos mudar o jogo com uma tática nunca testada

4Em poucos dias, o treinador corajoso que tirara Ronaldo e montara uma exibição fantástica para golear (6-1) a Suíça, tornou-se o treinador acabado incapaz de montar um estratégia de jogo para empatar (0-1) com Marrocos. São realidades demasiado bipolares para fazer julgamento­s tão sumários a um selecionad­or que quis, neste Mundial, mudar o estilo de uma seleção com jogadores que (fantástico­s tecnicamen­te) não tinham as rotinas de jogo para combinarem juntos.

A questão Ronaldo fraturou, obviamente, o grupo por dentro e os estilhaços que a forte possibilid­ade dele (perante a forma como chegava) não ser titular (ou ser substituíd­o) nunca foi bem gerida.

Santos foi atrás de todos os gritos populares, até neste último jogo ao tirar um pilar de como sair seguro com a bola apoiada e rápida de passe como é William Carvalho a n.º 6 para pedir a Rúben Neves que entrasse, sobretudo, pela sua maior capacidade em lançar bolas longas a atacar a profundida­de.

É uma despedida caindo numa armadilha tática que o futebol atual monta muitas vezes mas que, na fase em que sucede, obriga a virar uma página na seleção portuguesa. Questões de fim de ciclo e necessidad­e de criar essa nova identidade por ação e não como reação já fora do tempo do ciclo em que se estava.

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