O Jogo

O futuro não se constrói com um pé amarrado no passado

- Jorge Maia

Marrocos era um adversário ingrato para Portugal defrontar nos quartos de final de um Mundial. Pela forma especulati­va como joga, claro, mas também e sobretudo pelo estatuto que tem no futebol internacio­nal e que colocava a Seleção Nacional naquele lugar desconfort­ável que fica mais ou menos entre a espada e a parede: afinal, ganhar ao 22.º classifica­do do ranking da FIFA nunca seria muito mais do que cumprir uma obrigação enquanto perder seria sempre um escândalo. Não foi preciso esperar muito tempo após o apito final do argentino – só a FIFA é que se lembra de pôr num jogo destes um árbitro de uma seleção que ainda está em prova – para começarem a ouvir-se as primeiras vozes a reclamar cabeças. Fernando Santos, que até tinha posto a dele no cepo quando sentou Ronaldo no banco, já veio dizer que vai falar com Fernando Gomes quando chegar a Lisboa para avaliar o que é melhor para o futuro da Seleção, embora sublinhe que a palavra “demissão” não faz parte do vocabulári­o dele, nem do léxico do presidente da FPF. Ainda assim, o final prematuro de um Mundial que fez Portugal sonhar com um lugar na história é, inevitavel­mente, um momento para fazer balanços. O desta presença no Catar ficará certamente marcado pela decisão de subtrair Ronaldo ao onze titular. Acusado de ser avesso ao risco, Fernando Santos correu todos ao sentar o capitão no jogo com a Suíça e Portugal respondeu com a melhor exibição coletiva dos últimos anos. A derrota e a consequent­e eliminação frente a Marrocos impediu a sequência de que a equipa precisava para crescer nesse modelo de jogo mais solidário servido pela qualidade de uma geração excecional, mas não deve apagar a convicção de que aquele é o caminho para o futuro imediato da Seleção. Ronaldo terá, certamente, um papel a desempenha­r nessa equipa, mas Fernando Santos deu o passo mais difícil para qualquer selecionad­or português ao tirá-lo do onze e ao demonstrar, para lá de qualquer dúvida razoável, que há vida para além dele. Se isso chega para manter o cargo de selecionad­or, consideran­do o desgaste a que foi sujeito nos anos que se seguiram à conquista do Europeu de 2016 e da primeira edição da Liga das Nações? Pois essa é uma pergunta a que só Fernando Gomes será capaz de responder. Mas seja com Fernando Santos, seja com outro treinador qualquer, aquilo que o Mundial do Catar deixou claro é que o futuro de Portugal não se pode construir com um pé amarrado ao passado, por muito importante e glorioso que esse passado seja. Provavelme­nte, esta geração de jogadores só existe com a qualidade que todos lhe reconhecem­os porque alguém da dimensão de Ronaldo lhe abriu as portas. Por outro lado, só pode explorar todo o potencial que encerra se for autorizada a trilhar o seu próprio caminho e a brilhar com a sua própria luz. Portugal não venceu este Mundial, mas deu um enorme passo em frente rumo ao futuro. Seja quem for o selecionad­or depois de amanhã, o importante é não andar às arrecuas.

A derrota contra Marrocos não deve apagar a convicção de que o futuro da Seleção passa pelo modelo de jogo que se viu contra a Suíça

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Cara e coroa

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