Na derradeira viagem do “tapete voador”
1A primeira vez. O primeiro golo. A seleção de Marrocos atravessara o Mundial sem passar por esse momento que nos marca a vida (em campo) e o jogo (na forma de estar nele). Entrou contra a França com o seu estilo independente mas a bola sobrou cedo na área e entrou (1-0). Estava-lhe lançado o desafio ao impossível, para algo nunca visto neste Mundial. Estar a perder e ter de dar a volta a um jogo contra um gigante europeu quando até partira dum sistema-estratégia com três centrais (5x4x1de início) em vez do seu habitual 4x1x4x1 sem bola.
A tentação de “ser mais treinador do que a equipa em campo” assaltara Regragui. É um síndroma que atinge tantos treinadores que quando são envolvidos pelo sucesso querem mostrar que aquilo que se vira até agora tinha, antes do onze entrar em campo, a sua assinatura pessoal.
Tirou um médio (o omnipresente Amallah) e assumiu: ou aguentava assim até ao fim, ou, tendo de ir atrás do resultado, partia a equipa porque os três avançados de esticar e criar continuavam lá na frente. Saiss, central-patrão, jogava, porém, agarrado ao músculo que o prendia e aos vinte minutos teve de sair. Regragui logo percebeu: a equipa tinha de voltar ao sistema que a fizera feliz e resgatou Amallah (mas já estava a perder).
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Incrível como o mundo pode tão facilmente virar futebolisticamente ao contrário. De repente, a França estava a jogar com espaços de contra-ataque contra o, pouco antes, ultradefensivo Marrocos. E quando arrancava Mbappé tinha um latifúndio de relvado para explodir, até numa das explosões ser desarmado num “tackle” supersónico de Amrabat. Foi um lance como uma “cena da Marvel”: o
avançado à velocidade da luz e o trinco supra-humano. Ao mesmo tempo, a disciplina defensiva francesa tinha, neste jogo, dentro do imutável 4x2x3x1, um reforço posicional (Fofana em vez de Rabiot) para auxiliar o “pilar 6” Tchouameni. Não era fácil chegar sequer perto da sua baliza. E quando chegaram com mais perigo para provar o parque de diversões
mais incrível que o futebol pode ser, foi num pontapé em bicicleta de El Yamiq que bateu entre o poste e a luva de Llloris. 3
Foi a melhor e mais completa exibição (no plano dos diferentes momentos do jogo) da seleção marroquina. Enorme! Atacou sem perder “timing” de equilíbrio defensivo mas aquele golo era como jogar com um peso amarrado aos pés (quase) desde o início de jogo.
A França jogou então com o lado mais pragmático da tática. Não teve dilemas estéticos de recuar o bloco contra Marrocos, manteve a defesa sempre completa, sem correr um centímetro de risco, e esperou pelo lance para matar o jogo. Descobriu-o quase a acabar. O “tapete voador” de futebol de Marrocos descia, por fim, à terra. Fez deste Mundial algo nunca visto mas até as 1001 noites tinham uma última história.