Palestina: o futebol que luta pelo mundo
1No relvado, a equipa lutava por todas as bolas, mas, para quem estava no estádio, o momento mais importante tinha sucedido antes do início do jogo: foi quando todos ouviram e cantaram o hino da Palestina com as suas bandeiras erguidas pelas bancadas. Uma lição do futebol ao mundo com onze jogadores alinhados para defender uma seleção, um povo, um território, uma nação. Através do futebol, escapando do seu território massacrado que Deus abandonou, a seleção de futebol da Palestina é uma verdadeira lição de vida, na qual, ao lado dos sofridos jogadores árabes, a jogarem em clubes palestinianos (saídos das suas ligas, hoje naturalmente paradas desde os bombardeamentos israelitas, com estádios destruídos) mora outra legião já com origens de segundas gerações migratórias, a jogar em vários países, desde Tailândia, Suécia, Índia, Egito, Kuwait, Singapura, Bélgica, Azerbaijão e Chile.
Fundada em 1928 e reinscrita na FIFA em 1998, a Palestina preparou a Taça da Ásia sem país para treinar. A preparação foi feita, essencialmente, na Jordânia, onde os jogadores foram chegando, longe dos territórios ocupados, Gaza e Cisjordânia, e reunindo-se para o treinador tunisino Makram Daboud, no cargo desde 2021, formar sobretudo um espírito de grupo antes de qualquer sistema tático. Quem vê a seleção jogar, percebe a missão de Daboub (perdendo ou ganhando) em criar esse futebol com tensão emocional à flor da pele.
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Dabbagh é a grande figura do ataque da equipa. Como mostrara quando jogou no Arouca (agora está no Charleroi belga) é um ponta-delança com garra e remate, sem medo de lutar no físico e técnica frente aos defesas adversários. A seu lado, pode jogar Shehab Qunbar ou Zaid Quinbar, ambos da mais forte equipa palestiniana, o campeão Jabal Al-Mukaber, que jogam com o coração nas mãos pelas suas famílias enquanto procuram o golo. Tamer Seyam é o canhoto experiente, vindo do Prachuap FC da Tailândia. Fez um grande jogo, o penálti que falhou ficará cravado na memória mas, no fim, a equipa conseguiria empatar com os Emirados.
3O trabalho do selecionador está, porém, hoje mais aberto em relação a tempos no início desde século em que para tentar reunir uma seleção o mais competitiva possível, a federação decidira lançar um anúncio público em vários jornais estrangeiros e na internet: procuram-se jogadores de futebol palestinianos para formar uma seleção. Os requisitos exigidos era serem cidadãos palestinianos ou, mesmo vivendo noutro pais, terem conexão familiar de origem palestiniana e nunca ter antes jogado por outra seleção. Para filtrar as candidaturas, exigia-se que os candidatos jogassem num clube da I ou II Divisão do país onde estavam.
A história incrível da seleção palestiniana a jogar a Taça da Ásia
4Lembrei-me dessa história neste jogo de 2024, vendo o lateralesquerdo Camilo Saldaña, nascido no Chile, onde sempre viveu e jogou (hoje no Union San Felipe) mas com origens árabes. Um traço da história com um dos países com maior comunidade palestiniana: o Chile. A origem desta grande diáspora palestiniana nessa distante nação sul-americana remonta ao século passado, nos tempos do domínio turco otomano que então levaria à ruína muitos antigos proprietários de terras da Palestina. Atraídos pela prosperidade que se dizia estar na América latina, muitos partiram então à aventura.
Com o passar dos anos, a comunidade foi crescendo e fundou um clube, o Palestino, para levar pelo mundo o nome e causa dum povo desterrado. Já conquistou dois títulos de campeão chileno. Foi com essa inspiração que, em 2002, jogara a sua Taça da Ásia com sete jogadores de sangue chileno mais o treinador Hadwa, que também orientou o Palestino. Uma história incrível de ligação Palestina-Chile desde futebol e vida.
Quando virem um próximo jogo da Palestina na Taça da ásia pensem nisto tudo, vendo as crianças, mulheres nas bancadas com as cores da bandeira palestina pintadas na cara. Em cada jogada ou golo dando novas asas para voar ao sonho de um povo mártir que sente no futebol um novo meio privilegiado para divulgar a sua causa por todo o mundo.