O Jogo

“Há talentos que nemdo bairro saem”

ALEXANDRE SANTOS A lutar pelo conquista do tricampeon­ato no Petro de Luanda, o técnico português fala do futebol em Angola

- SÉRGIO ANDRÉ

Mesmo sem o mediatismo de outros campeonato­s, garante que sente pressão e reconhece que o futebol angolano necessita de um impulso para crescer, o mesmo que teve há alguns anos quando importou craques como Rivaldo.

Alexandre Santos cumpre a terceira temporada no Petro de Luanda. Campeão desde que assumiu o comando técnico da equipa, o treinador português corre pelo tricampeon­ato, que foge à equipa angolana há mais de 30 anos. Mas Alexandre Santos quer ir mais longe e premiar o “empenho” dos jogadores, levandoos a um patamar elevado na Champions africana.

Chegou há duas temporadas a Luanda e venceu dois campeonato­s. O que falta para fechar a sua passagem pelo Petro, sabendo-se que tem contrato até ao final desta temporada?

—O grande objetivo é ser tricampeão. A hegemonia do Petro fez-se sentir nas primeiras duas décadas e tínhamos o objetivo de voltar a dominar o futebol em Angola. A nossa meta é continuarm­os a ser os mais fortes a nível interno e também em África... Somos a única equipa que representa Angola na Liga dos Campeões. Queremos entrar nas oito melhores equipas de África. Há expectativ­as elevadíssi­mas em torno desta equipa. O clube já foi campeão de África em basquetebo­l e andebol e todos querem que o futebol siga essa linha.

E o que falta para dizer que mais cedo ou mais tarde o clube vai vencer essa competição?

—Não é fácil atingir esse patamar. Angola tem dificuldad­e em reter os seus principais jogadores. Só existem cinco jogadores na seleção que atuam em clubes nacionais, quatro do Petro e um do 1.º de Agosto. Os melhores jogadores não estão no Girabola. Eles começam a querer sair. Os recursos das equipas do norte de África são claramente­superiores­aosnossos. A folha salarial é completame­nte diferente do que se

pratica no resto de África. Aliás, nem sei se a questão se centra apenas no aspeto financeiro. Também tem muito a ver com a atração que não sentem pelo campeonato angolano e, por isso mesmo, sempre que são contactado­spedemexor­bitâncias, precisamen­te porque entendem que estão num campeonato de menor expressão. Depois acabam por não vir. Falta um maior protagonis­mo e mediatismo de um país que já teve mais para oferecer aos jogadores. Teve os seus tempos áureos em que chegou a ter o Rivaldo e até jogadores da seleçãopor­tuguesa.Faltatambé­m conseguir produzir mais talentos, que muitas vezes estão a fugir antes mesmo de chegarem a seniores.

Mas o jogador angolano é talentoso?

—Tem algo que é específico que é o talento puro, o talento de rua. No entanto, pelas dificuldad­es, há talentos em Angola que nem do bairro saem.

Vai terminar contrato no final da presente época. Que planos tem para o futuro?

—Nós nunca sabemos para o que é que vamos, temos é de ser ambiciosos em relação aos desafios. Estou centrado no desafio de ser tricampeão. Tenho contrato até ao final da época. Fazemos contratos só de um ano para que ambas as partes estejam libertas para fazerem o que quiserem no final de cada época. O meu desejo é criar novos desafios. Estou decidido a ser tricampeão.

Como é a sua relação com os jogadores?

—É sempre de uma grande cumplicida­de. Temos um duplo papel porque se eles precisam de confiar em nós, por outro lado, temos de ser os primeiros a exigir o máximo deles e sermos altamente rigorosos. Desde o princípio senti que eles queriam muito ganhar. A determinad­a altura foram eles que me fizeram acreditar que era possível ganhar com esta equipa. Por outro lado, e era algo que eu não sabia, a idade é verdadeira­mente um posto na cultura angolana. Há uma necessidad­e de respeitar os mais velhos. Há esta cultura nos seus hábitos e isso é transporta­do para dentro do campo e isso para mim foi interessan­te. Eu sou mais velho do que eles, portanto, sentiram que era alguém que tinham de respeitar.

Absorveram rapidament­e as suas ideias em termos táticos?

—É importante não perder a alma angolana mas também não podemos deixar que o jogo se parta, abrindo caminho para os contra-ataques. Os adeptos não aceitam muito bem o controlo do jogo mais em posse. Os adeptos querem muita velocidade, muitos duelos individuai­s, gostam da vertigem. Os adeptos angolanos vibram e têm um gozo especial quando um jogador dribla. Quem for a um bairro percebe o que estou a dizer, é inacreditá­vel. É a mais pura e dura brincadeir­a dentro de um campo, os adeptos vibram mais com isso do que com a minha maneira de pensar. Houve ali uns choques em alguns momentos, mas com as vitórias tudo mudou. Hoje os adeptos do Petro gostam de ver o futebol que jogamos porque sentem que estamos próximos de ganhar.

“A idade é um posto na cultura angolana. Há necessidad­e de respeitar os mais velhos”

“Os adeptos não aceitam muito bem o controlo do jogo mais em posse. Querem muita velocidade, muitos duelos individuai­s, gostam da vertigem”

“Houve ali uns choques em alguns momentos, mas com as vitórias tudo mudou. Hoje, os adeptos do Petro gostam de ver o futebol que jogamos porque sentem que estamos próximos de ganhar”

Habitualme­nte têm muitos adeptos no estádio?

—Depende da hora, do valor do jogo, do preço dos bilhetes. Às vezes temos 50 mil e outras vezes 5 mil. Varia muito. Encetámos algumas estratégia­s para levar o público ao estádio, mas só se consegue levá-los com frequência a um recinto desportivo quando não há custos associados.

“Conseguimo­s levá-los com frequência ao estádio quando não há custos associados”

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ALEXANDRE SANTOS
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