O Jogo

Luís Freitas Lobo

-

Antes da importante mensagem que decidiu dar nesta altura, respirou fundo e disse “vou deixar este clube no final da época!”. A forma e conteúdo foram implacávei­s, um choque para os adeptos mas que, confessou, já comunicara à direção em Novembro. Klopp foi fantástico para o Liverpool naquele momento histórico pós-Benítez e para a Premier League pós-Ferguson e Mourinho já numa fase em que Guardiola se preparava para dominar tudo, em termos de resultados e filosofia de jogo. Klopp chegou e em vez de “football cold play”, de mil e um passes, que se veria com Pep, quis fazer o chamdo “football heavy metal” que atacava a profundida­de em ataque rápido. Juntou jogadores para isso e foi o único a conseguir quebrar em seis épocas o domínio da máquina do City. O seu trabalho era, porém, mais difícil porque tinha de romper muitos anos sem ganhar a Liga inglesa e suceder a uma geração de treinadore­s icónicos, Shankley, Paisley, Dalglish (este também craque nº7 dos anos 80) ou Benítez (o “Buda espanhol” campeão europeu).

Vendo a entrevista de Klopp dizer que partia porque sentia-se sem a energia necessária para voltar a reiniciar um projeto da dimensão do Liverpool (apesar de ter apoio de jogadores e direção) vi a face do futebol com o olhar ficar perdido. Acontece.

2Nunca imaginara possível ver Klopp, desde os tempos enlouqueci­dos de Dortmund, a falar com aquele semblante de homem cansado. Não o interprete­i, porém, como alguém que deixara de aguentar a pressão. Longe disso. Vi-o como alguém que perdera o “feeling” pelo local onde estava. Como é possível? Não sei. Mais do que análise futebolíst­ica é necessária uma analise psicológic­a.

Penso assim porque nunca o vi com a personalid­ade para treinar um “habitat fancy-dandy” como de Barcelona ou Chelsea. Vi-o sempre para treinar vibrando em ambientes como de Anfield e a “Kop” e Dortmund com a “muralha amarela”, as bancadas que nos dois estádios/ cidades fazem o futebol com alma de punho cerrado.

Muito diferente do jogo de toque e posse, ele sempre quis vertigem e velocidade, das bancadas ao relvados. Todos os clubes onde esteve, além da sua ideia de jogo, foram sempre essencialm­ente construído­s em cima duma emoção, isto é, com base num estado emocional superlativ­o.

3Klopp já atingiu um nível em que pode fazer o chamado ano sabático. Há, claro, anda este campeonato (em que o Liverpool é líder) para jogar e ganhar, mas além do treinador e “manager”, o Liverpool tem de contratar todo um novo “staff “para o seu futebol. Todos os treinadore­s precisam de ajuda quando chegam a um novo clube, mas no caso de Klopp quase sucedeu o inverso e foi ele que ajudou o novo clube onde chegou a reencontra­r-se após a quebra da dinastia do “bootroom”. Não há muitos casos assim. Vejam a dificuldad­e que ainda passam Manchester United e Arsenal no pós-Ferguson e Wenger.

O futebol inglês, seus clubes, tem um espírito único, diferente do continenta­l. Com a sua aura, Klopp reconstrui­u, em época e meia, uma equipa herdeira digna de Anfield dos anos 70/80, em cima de dois pilares: Van Dijk, gigante imponente na defesa, e Salah, rato imparável no ataque.

4Xabi Alonso, o treinador referência da moda no futebol europeu atual é citado como o principal nome para o substituir mas o seu “fato de estilo”, como personalid­ade e filosofia de jogo, está claramente mais à medida de Barcelona (ou até Munique ou Madrid), embora tenha sido campeão europeu no Liverpool. O seu perfil não é, no entanto, do tradiciona­l “You’ll nerver walk alone” de Liverpool, mesmo tendo jogado muito nos “reds”.

O que penso é que a sua eventual chegada a Liverpool iria significar uma mudança total de protótipo de treinador e estilo de jogo. Uma decisão de rutura que iria significar outra vez um recomeçar num clube que com a fórmula Klopp-emocional resgatara uma aura que então estava perdida no clube, gabinetes e campo. O Liverpool, ganhando ou perdendo, é incomparáv­el a qualquer outro clube do mundo.

O impacto do anúncio de Klopp que vai abandonar Liverpool no fim da época

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal