SAGA DE RESISTÊNCIA E FUTEBOL
CD PALESTINO Imagem de um sucesso centenário no Chile, um clube duas vezes campeão, agora de regresso à Libertadores
Traços singulares discorridos por um adepto com mais de 1000 jogos e um clube/comunidade de famílias vindas da Palestina, que fizeram mais de 13.000 quilómetros na busca de paz e conforto.
Um abrigo de deslocados, hostilizados e marginalizados. Vítimas de ocupação e terror, fugindo de angústias e massacres, os palestinianos formaram ainda antes dos anos 20 aquela que seria a maior concentração de famílias fora da zona árabe, num escape motivado, primeiramente, pela escalada do império Otomano e, décadas mais tarde, de Israel, já com toda a problemática territorial envolvida pós Segunda Guerra Mundial, que envolveu um novo mapa da região. Num ápice, essa comunidade, sedenta de identidade, coabitando numa nova realidade, tratou de procurar atmosfera que convocasse essa libertação da paixão, tendo o futebol sido motor dos afetos, com o CD Palestino a nascer precisamente em 1920, marcando um caminho de prosperidade a partir de Santiago de Chile, com quartel-general em La Cisterna.
Nesta travessia de honra e galhardia, viajando pelo país com uma causa, o emblema celebrou dois títulos de campeão chileno em 1955 e 1978, o último com o mítico Elias Figueroa, percorreu períodos mais complexos, não deixando de ser clube competitivo no país e com repercussão na América do Sul, alcançado seis participações na Libertadores, acontecendo em 2024, já a partir do final deste mês, a sétima presença, fruto do 4º lugar no Campeonato, que resultará, para começar, em jogos com a equipa venezuelana Portuguesa. São tempos positivos do Palestino, que festejou o último troféu, a Taça do Chile, em 2018, acompanhados, atualmente, pela aflição das ocorrências em Gaza, que afetam três gerações de chilenos deste fluxo migratório que rende hoje uma colónia palestiniana aproximada de 500.000 pessoas, separadas da terra mãe por uma distância de 13.000 quilómetros. Para se perceber a dimensão já centenária do Palestino no Chile, mas também na ligação que produz com a Palestina, dos resultados que alcança que são mais uma forma de luta que pavimenta uma visibilidade maior a um conflito no contexto sul-americano, fomos ao encontro do adepto mais carismático do clube, Mooris Rabi, de 48 anos e uma ficha superior a mais de 1000 jogos presenciados em estádios. Enriquece-nos em cada resposta, exalta-nos uma verdade tão admirável: é muito mais que futebol.
“A criação do clube foi um prolongamento dos colonos que foram chegando ao Chile. Fizeram, assim, a sua proximidade, no início era uma equipa apenas com jogadores de origem árabe, que tinham chegado de diferentes formas, de barcos com diferentes travessias. Chegavam com passaporte turco, o que fez com a equipa passasse os primeiros anos com a alcunha dos turcos”, relata-nos Mooris Rabi. As viagens tinham já, geralmente, a rota Líbano, Marselha, Panamá, São Paulo ou Buenos Aires, viagens completas de barco ou quase expedições de mula pela cordilheira dos Andes. “As minhas origens relacionam-se com a chegada do meu avô em 1914, chegou de curta idade, os meus bisavôs mandaram o filho de barco para salvar a sua vida, pois as crianças e adolescentes estavam a ser envolvidas na guerra contra o império otomano. Ele cruza o oceano e chega ao Chile, onde se depara com uma colónia já estabelecida. Foi ajudado, mais tarde contraiu matrimónio com a minha avó, de origem espanhola. Foi tudo complexo de início pelo tema idiomático, mas foram em frente e formaram família numerosa, com nove filhos”, explana, partilhando a irmandade ganha com os locais.
“Os palestinos juntaram-se em diferentes lugares perto da capital, acolhidos por quem já estava, receberam emprego e puderam desenvolver-se. Com a escalada de outros conflitos bélicos geraram-se mais migrações, todos procuravam chegar para viver em paz. Ninguém veio para tirar emprego, criavam empresas, manejavam bem o comércio e acabaram a dar
“Não temos muitos adeptos, mas há imensos chilenos que simpatizam com a nossa história”
“Era uma equipa potente economicamente, várias famílias criaram empresas, geraram emprego e recursos”
Mooris Rabi Adepto do CDPalestino
muito trabalho. Não há qualquer ideia de aproveitamento, foi uma comunidade que se fez e trouxe qualidade de vida ao seu redor. Somos muito queridos por isso”, justifica Mooris, recuperando o vínculo à instituição.
“Contado pelo meu pai, a grande orientação que teve foi ser ‘hincha’ do Palestino”, sustenta, analisando o impacto e a história do emblema que é também bandeira de um povo distante.
“Não é um clube popular, dos que tem mais adeptos, tem realmente os adeptos da sua comunidade, mas depois há muitos chilenos que simpatizam pela história que envolve”, explica. “O clube foi formado mais a sério para competir na Olimpíadas Palestinas de Osorno, em 1950.
E ganhou. Em 1952 é aceite na 2ª Divisão, podendo assim discutir a subida à Primeira. Era uma equipa potente economicamente, muitas famílias dedicaram-se a atividades têxteis e criaram empresas, geraram recursos. Havia desenvoltura financeira. Para atuar na 1ª Divisão teve de aceitar incluir jogadores chilenos. Sobe logo e consegue o seu primeiro título em 1955 com uma grande equipa. Depois houve esse hiato até 1978, ao que se seguiram anos de recessão económica e futuro muito questionado, inclusivamente com uma descida de divisão em 1988. Mas de 1989 até hoje voltou a ser um clube de primeira linha e venceu a última de três taças em 2018”, resume-nos Mooris Rabi.