O Jogo

Luís Freitas Lobo

- Planeta Futebol

1Uma noite especial. Voltou a Liga dos Campeões e as almas do melhor futebol reencontra­m a sua casa. No primeiro toque desse regresso, o jogador que com perfil de “anti-herói” na equipa que vive num castelo com a bola. Rodri é uma espécie de “bola de ouro” na clandestin­idade. Ninguém jogou tanto como ele na última época (e terrenos da Champions) mas a forma como o faz, e local de onde o começa a fazer, tem mais impacto em como faz jogar a equipa do que como jogo ele próprio. É o problema de muitos destes jogadores quando se chega aos prémios individuai­s. Ele é o condutor inicial do jogo pensado por Guardiola no Manchester City que, em campo, traduz-se no marcar dos tempos e ritmos perfeitos de passe desde trás, progressão, também com passe, ao longo do campo, e, por fim, definição final com remate.

2Em Copenhaga, viu-se num jogo para quebrar o gelo do regresso. É um jogador tecnicista visionário da tática, com perfil contido como referência para as estrelas (Foden, Grealish, De Bruyne, Bernardo e Haaland) que andam em seu redor. Relaciona-se com todos eles com uma serenidade assombrosa. E, em cima disso, adiciona sabedoria. Absorve toda a informação do jogo e passa de estratega a decisor. Caminha pelo relvado e pressente-se que o radar na sua cabeça procura o “meio metro” (ou meio segundo) por onde a bola pode passar. Quando o encontra, a equipa avança (se for desde trás) ou é uma jogada de perigo (se for na frente). E assim (re)começam jogadas após jogadas o... jogo para a equipa.

3No jogo impactam, porém, outros fatores, como o passional. Se há jogadores que o vivem com mais frieza, há outros que o abordam com mais temperamen­to. Fixo-me no Real Madrid quando não tem o Bellingham, o inglês que parece jogar de “fato e chapéu de coco” , e surge um exemplar diferente: Brahim Diaz. Este sim, longe de ter a mesma classe andando, procura resgatar essa essência de “10” ou, como chamam os espanhóis a essa posição, o perfume do “enganche”. Ainda é possível um jogador a pensar assim? Um criativo obrigado a receber de costas que tem de saber girar rapidament­e. Ou seja, a caracterís­tica continua a existir mas tem de adaptar-se a posição (do corpo e no campo) distinta. Brahim é um bom exemplo dessa funcionali­dade começando no desterro das faixas que o futebol moderno condenou estes exemplares. A sua receção (controlo) orientado, o arranque, as duas fintas seguintes e o remate. É estética técnica metida na tática.

É um jogador ideal para o futebol sair à noite no “dia dos namorados”. O dia a seguir ao que, ironicamen­te, o Real jogava em Leipzig. Será difícil imaginar Brahim como titular deste onze merengue mas, com Carlo Ancelotti sabendo usá-lo a “conta-gotas” precisas nos jogos certos (e não só nos que não pode jogar Bellingham) ele pode ser como a visão renascenti­sta do “enganche 10”.

Regressou a Champions: É outro futebol ou sempre o mesmo?

4É outro futebol ou o futebol é sempre o mesmo? Não duvido que estão sempre a suceder coisas que o estão a mudar. Se pensar só no jogo, passaram a ter uma relevância muito maior os atributos de técnica mais relacionad­os com a tática, o controlo e o passe, do que os relacionad­os com a imaginação, a finta e o drible. Neste novo mundo da Champions (entenda-se do melhor futebol) qualquer bom jogador para o ser tem de controlar e passar a bola com uma velocidade impecável. É a velocidade do jogo acima da do jogador. Pelo caminho perde-se essa dança com bola, a pausa, a simulação, tudo cada vez mais raro. É demasiada sofisticaç­ão para um mundo tático tão perfeito. Neste novo mundo, onde o Manchester City e o “modelo Pep” de tornar a técnica na.. tática, Rodri dá, em todos momentos, lições de futebol.

As equipas, os treinadore­s e os jogadores, têm cada vez mais coisas em que pensar a cada jogo que disputam. O bom futebol necessita, no entanto, de boas ideias mais do que a famosa eficácia ou do “não deixar jogar” que também é uma força da natureza que rouba títulos.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal