Quando os dragões da claque eram azuis
Houve um tempo em que os dragões da claque portista não eram «super», eram «Dragões Azuis» e juntavam-se num topo da superior do Estádio das Antas, animando as gloriosas tardes de domingo. Aquela que foi a primeira claque portista, Dragões Azuis, nasceu no final dos anos 70 do século passado, como quase todas as outras, e era uma organização autónoma, sem ligação ao clube. Patrocinava-a uma então famosa sapataria da Rua de Cedofeita, Teresinha, que fazia certas exigências de propaganda. Em 1986, uma facção de descontentes com essa dependência fundou a claque «Super Dragões», que cresceria rapidamente (passou de 50 para 3.500 elementos nos jogos em casa), mas ainda num espírito de espontaneidade e militância apaixonada. Um dos seus elementos descreveu assim a experiência: «Cada um de nós deu duzentos escudos e fomos comprar um pano para uma grande tarja. Também fizemos uns calendários e íamos para a porta do estádio com uma caixinha de moedas e as pessoas ofereciam o que queriam». Sim, custa a imaginar, mas os Super Dragões já foram assim.
Essa pureza inicial começou a ser devastada no início deste século. As maiores claques, impulsionadas pelo Movimento Ultra, cresceram, tornaram-se marcas registadas, conquistaram privilégios e importância mediática e social, tanta que excederam muito a que deveria ser a sua única função: apoiar a equipa. O resultado nefasto dessa metamorfose ficou à vista quando, em 2008, no âmbito da operação «Fair Play», foram detidos 37 elementos da claque do Benfica, No Name Boys, suspeitos de agressões, roubos, incêndios, tráfico de armas de fogo e de estupefacientes. Nessa operação, foram apreendidas armas, droga (haxixe, cocaína, ecstasy), soqueiras, tacos de basebol. Tudo material para o apoio à equipa, digo eu. Depois, e entre muitas outras outras infâmias, algumas delas mortais, veio a invasão de Alcochete, a cargo da JuveLeo, e agora a «Operação Pretoriano», que tem a particularidade da claque surgir como uma extensão (pouco) secreta da direcção do clube.
Os adeptos são o que há de melhor no futebol, com o seu amor incondicional e a sua entrega sentimental e desinteressada, e os das claques sempre se caracterizaram pela sublimação dessas qualidades. Porém, no caso dos Super Dragões, como noutros, encontramos apenas a perversão dessas qualidades. Os principais responsáveis não estão a ser investigados e presos por confrontos com adeptos rivais, como tão frequentemente acontece com as claques, mas por quererem «partir os cornos» a adeptos do próprio clube, para defenderem interesses próprios, ou seja, para garantirem a manutenção da fonte prodigiosa de onde brota aquilo com que se compram Porsches, bares, restaurantes e moradias de dois milhões de euros. Será que todos estes exemplos não chegam para se perceber que é preciso repensar seriamente a vida pública e privada das claques, devolvendo-as a elas próprias e à sua essência, que é amorosa, pacífica e festiva? Ou isso ou exterminá-las. Para que as queremos tal como são?
Aos domingos - Este espaço é ocupado, alternadamente, por Carlos Tê e Álvaro Magalhães
Será que todos estes exemplos não chegam para se perceber que é preciso repensar seriamente a vida pública e privada das claques, devolvendo-as à sua essência?