Manual do bom adepto
Oque pode fazer um bom adepto pelo seu clube? Tudo, até stand-up comedy de baixo teor. Foi o caso de Eduardo Moniz na gala da TVI. O resultado foi uma onda de indignação compreensível em contexto de eleições (exige-se indignação institucional aos candidatos), mas exagerada por revelar falta de encaixe a uma piada de café e, sobretudo, por expor uma fenda existencial que a dimensão do FCP ultrapassou há muito tempo. É que não ofende quem quer, mas quem pode, e Moniz não tem densidade para ofender, a não ser que lhe façam esse favor.
A tecnologia, ao trazer a conversa de café para a opinião pública, formou uma bolha de comunicação onde todos somos livres de expressar ignorância, ódio, amor, idiotice – é a concretização da verdadeira e mítica democracia popular, que só não é irrelevante quando é manipulada para fins populistas.
A televisão fez o mesmo com os talk shows e com o comentário geral – tudo passa, tudo é esquecido. A piada de Moniz só não aterrou na irrelevância porque produziu um eco chato e inesperado, daí que o estado-maior da TVI deva ter querido saber se a sua actuação ocorreu enquanto adepto ou alto quadro da Media Capital. Por certo, ele terá respondido que a intenção era apenas criar
um momento de humor refinado, tipo noite dos óscares, mas o que saiu foi um momento Batanetes. Também pode ter sido obra dum guionista que queria agradar ao chefe e lançou a piada no teleponto sem lhe dar tempo para avaliar o risco. É que alguma clientela regional podia desertar da estação, pondo Moniz sob a mira do accionista principal, Mário Ferreira, homem do norte, embora nos negócios
não haja norte nem sul, só audiências e capital circulante.
Mas nada aconteceu porque, mesmo a norte, o povo é sereno e o prime-time da TVI sólido como o aço, com starlets e âncoras de programação como o Big Brother.
Por outro lado, não se pode escamotear que houve um pé-de-vento numa assembleia do FCP, idêntico a outros. Associá-lo à guerra da Ucrânia e de Gaza na forma de chalaça ofendeu mais as vítimas do que o clube. Daí que dar-lhe importância faz com que a piada tenha funcionado e eleva Moniz à categoria dum Jerry Seinfeld ou dum Jon Stewart.
Na verdade, ele foi apenas um bom adepto que aproveitou a sua posição para caçoar dum rival. Mas que atire a primeira pedra quem não fez piadas – não numa gala, é certo – sobre o saco azul do Benfica e o
dinheiro a que a Procuradoria não descobre o rasto. O assunto tem pano para mangas, como tem o caso de outro bom adepto do Benfica julgado por tentar subornar jogadores do Rio Ave, ou os mails com alusões a bispos e cardeais. Mas Moniz não podia fazer humor com isso.
Eu também preferia que a atribulada assembleia não passasse duma invenção. Acontece que a vida é um elevador danado, e as eleições estão aí para o reparar. A resposta portista a Moniz devia ser a que um bom adepto dá no café da sua rua: duas taças há mais de meio século? Aqui há sete, na era da internet. Que é feito duma velha e decente discussão de café?
A resposta portista a Moniz deveria ser a que um bom adepto dá no café: duas taças há mais de meio século? Aqui há sete, na era da internet. Que é feito duma velha discussão de café?