O Jogo

Manual do bom adepto

- Carlos Tê O autor optou por escrever na ortografia antiga

Oque pode fazer um bom adepto pelo seu clube? Tudo, até stand-up comedy de baixo teor. Foi o caso de Eduardo Moniz na gala da TVI. O resultado foi uma onda de indignação compreensí­vel em contexto de eleições (exige-se indignação institucio­nal aos candidatos), mas exagerada por revelar falta de encaixe a uma piada de café e, sobretudo, por expor uma fenda existencia­l que a dimensão do FCP ultrapasso­u há muito tempo. É que não ofende quem quer, mas quem pode, e Moniz não tem densidade para ofender, a não ser que lhe façam esse favor.

A tecnologia, ao trazer a conversa de café para a opinião pública, formou uma bolha de comunicaçã­o onde todos somos livres de expressar ignorância, ódio, amor, idiotice – é a concretiza­ção da verdadeira e mítica democracia popular, que só não é irrelevant­e quando é manipulada para fins populistas.

A televisão fez o mesmo com os talk shows e com o comentário geral – tudo passa, tudo é esquecido. A piada de Moniz só não aterrou na irrelevânc­ia porque produziu um eco chato e inesperado, daí que o estado-maior da TVI deva ter querido saber se a sua actuação ocorreu enquanto adepto ou alto quadro da Media Capital. Por certo, ele terá respondido que a intenção era apenas criar

um momento de humor refinado, tipo noite dos óscares, mas o que saiu foi um momento Batanetes. Também pode ter sido obra dum guionista que queria agradar ao chefe e lançou a piada no teleponto sem lhe dar tempo para avaliar o risco. É que alguma clientela regional podia desertar da estação, pondo Moniz sob a mira do accionista principal, Mário Ferreira, homem do norte, embora nos negócios

não haja norte nem sul, só audiências e capital circulante.

Mas nada aconteceu porque, mesmo a norte, o povo é sereno e o prime-time da TVI sólido como o aço, com starlets e âncoras de programaçã­o como o Big Brother.

Por outro lado, não se pode escamotear que houve um pé-de-vento numa assembleia do FCP, idêntico a outros. Associá-lo à guerra da Ucrânia e de Gaza na forma de chalaça ofendeu mais as vítimas do que o clube. Daí que dar-lhe importânci­a faz com que a piada tenha funcionado e eleva Moniz à categoria dum Jerry Seinfeld ou dum Jon Stewart.

Na verdade, ele foi apenas um bom adepto que aproveitou a sua posição para caçoar dum rival. Mas que atire a primeira pedra quem não fez piadas – não numa gala, é certo – sobre o saco azul do Benfica e o

dinheiro a que a Procurador­ia não descobre o rasto. O assunto tem pano para mangas, como tem o caso de outro bom adepto do Benfica julgado por tentar subornar jogadores do Rio Ave, ou os mails com alusões a bispos e cardeais. Mas Moniz não podia fazer humor com isso.

Eu também preferia que a atribulada assembleia não passasse duma invenção. Acontece que a vida é um elevador danado, e as eleições estão aí para o reparar. A resposta portista a Moniz devia ser a que um bom adepto dá no café da sua rua: duas taças há mais de meio século? Aqui há sete, na era da internet. Que é feito duma velha e decente discussão de café?

A resposta portista a Moniz deveria ser a que um bom adepto dá no café: duas taças há mais de meio século? Aqui há sete, na era da internet. Que é feito duma velha discussão de café?

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José Eduardo Moniz fez uma piada que gerou indignação entre portistas
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Folha Seca

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