LUTA ATÉ AOS LIMITES HUMANOS
IMPENSÁVEL Uma das maiores provações da história rebobinada por sobrevivente do milagre dos Andes em 1972
Com “Sociedade da Neve” a devolver proximidade a uma tragédia que virou milagre, linha aberta com o homem que decidiu procurar ajuda e conseguir o resgate de um inferno gelado que durou 72 dias.
Entre 13 de outubro e 23 de dezembro de 1972, mais de dois meses arrepiantes e vidas em suspenso, puro desespero nos confins dos Andes, num surreal contacto com o abismo em todas as dimensões. De um avião com 45 passageiros, uma equipa de râguebi, Old Christians, que viajava de Montevidéu para Santiago do Chile, apenas 16 saíram vivos para narrarem uma das mais épicas jornadas de sobrevivência da história, escapando de um avião que se despenhou já perto do Chile e deslizou pela neve, até travar e oferecer um guião suplementar a um já aterrador despiste. Quem fintou a morte ainda teve de resistir a duas avalanches, a feridas lancinantes e traumas, tão diretosedilacerantes.Familiares e amigos, de todos, estavam mortos. Entre bagagens e cadáveres, e 25 graus negativos, improvisando por mais umas horas de vida, perdidos num mantobrancoecompreendendo a cada dia o fracasso das buscas, FernandoParrado e Roberto Canessa desenharam o milagre quando decidiram atravessar os Andes com os mantimentos possíveis, as coordenadas de um pedaço de terra habitado. Durante dez dias levaram a sua caminhada, até que o milagre aconteceu.
“A base da sobrevivência foi toda a educação recebida no colégio Christian Brothers. Ajudou-nos a desenvolver o caráter através da disciplina do râguebi. Não tem nada de teórico. Foi assim mesmo! O râguebi é diferente de todos os desportos coletivos, é uma religião, mais do que um desporto. Tu morres por um companheiro no campo e o mesmo passou-se na montanha”, documentou, em exclusivo a O JOGO, Fernando Parrado, que havia sido interpretado por Ethan Hawke, em “Alive”, em 1993, e, agora, por Agustín Pardella, em “A Sociedade da Neve”, filme recentemente estreado na plataforma Netflix.
“A maioria conhecia-se muito bem, muitos desde os seis anos. Éramos todos muito unidos. Em 1972 a equipa já era uma das melhores de râguebi no campeonato uruguaio, tínhamosmuitobomnível,apesar da nossa juventude. Pelo nosso rendimento fomos convidados a defrontar o campeão chileno, num amigável em Santiago, no final da época. Estávamos no final do ano e muito bem treinados para esse jogo”, rebobina a chegada ao momento fatídico Parrado, que perdeu a mãe e a irmã nos Andes.
“Nada do que aconteceu foi em vão. Eu perdi e sofri imenso, mas fui recompensado com grandes consolações. Uma família divina e uma trajetória desportiva muito interessante. Mas o legado mais importante é a vida que conseguimos criar. Dos 16 que conseguiramsairvivosdesseinferno gelado, hoje somos quase 200, contando família, filhos e netos. Não há êxito desportivo e empresarial que se possa com
“A sobrevivência veio do caráter forjado num colégio através da disciplina de râguebi. É uma religião, diferente de tudo”
“Sofri uma fratura de crânio e quatro dias em coma. Acordei e tinham morrido a minha mãe, irmã e os melhores amigos” Fernando Parrado Sobrevivente do milagre dos Andes
parar”, observou Fernando Parrado, que se dedicou ao automobilismo, sendo hoje um empresário bem sucedido e percorrendo o mundo com palestras sobre as sensações mais íntimas enfrentadas nos Andes. Foi também seu o esboço de uma reação. A página virou... a partir de corajosa e valente travessia, sem que qualquer topo montanhoso gerasse medo ou travão.
“Sofri feridas muito fortes no acidente com fratura do crânio e vários cortes nas pernas. Estive quatro dia sem com aprofundo e quando despertei compreendi que a minha mãe, a minha irmã e os meus dois melhores amigos tinham morrido. Ainda hoje me custa compreender como consegui reagir dessa maneira, recuperar-me e liderar essa espécie de expedição, atravessaras montanhas com o meu amigo Roberto e ir buscar ajuda. A única coisa que eu sabia era que se não tentasse fazer algo ia morrer ali! Era impossível sobrevivermos, estávamos a morrer lentamente, a cada dia perdíamos força. Talvez possa ter sido o mais pragmático, mas dei-me conta ao décimo dia que estávamos condenados. Através de um pequeno rádio fomos escutando que as buscas pelo avião e os passageiros estavam terminadas. Era impossível sair daquele inferno, mas entre todos lográmos transformar o impossível em algo possível. Não foi nada fácil”, justificou, reconhecendo essa paixão pela sobrevivência que também torna o Uruguai especial em muitos momentos desportivos. “A nossa luta foi até aos limites humanos, fizemos o impossível! Creio que Uruguai é um país muito pequeno onde sempre há um esforço incrível em várias frentes. Não há relação entre o que é râguebi e futebol, mas talvez seja verdade aproveitar algo da tradição e dizer que a garra” charrua” é indestrutível.
”Ouvimos buscas terminadas, era impossível sair daquele inferno mas entre todos conseguimos”
“A única coisa que eu sabia era que se não tentasse fazer algo ia morrer ali! Era impossível sobrevivermos, estávamos a morrer lentamente, a cada dia perdíamos força”
“Nada foi em vão! O maior legado é a vida criada. Dos 16 que saíram vivos, hoje somos 200. Não há êxito que se possa comparar”
Fernando Parrado Sobrevivente dos Andes