Os individualistas, formas estranhas de vida
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O ponta-de-lança tornouse nos últimos anos um ser de mais difícil compreensão. No Sporting, ele percebe-se logo, esbugalhando os olhos aos arranques de Gyokeres. No FC Porto, deteta-se o jogo de desmarcações curtas e apoios de área de Evanilson. No Benfica, o ponta-de-lança tornou-se, esta época, num ser menos individualizado ao ponto de tantas vezes cair da equipa titular. É, no entanto, quando esse exemplar entra no sistema que o coletivo se movimenta ofensivamente melhor, mesmo não tendo ele grande vocação goleadora ou o procurem tanto. Ou seja, não é um definidor/ finalizador por ele próprio, mas é decisivo para essas condições existirem para os outros. O impacto e a importância de Tengstedt no dérbi, quando o Sporting dominava e o ataque benfiquista sofria para criar espaços de remate, pode ser percebido dessa forma. Mais do que entrar e ser servido para finalizar como sucede na vida normal dum ponta-de-lança, é ele que cria, ao invés, pela dimensão lutadora e arrastamento de marcações que adquire no jogar da equipa, as condições (entenda-se a abertura de espaços em função desses movimentos lutadores) para Di María e Rafa surgirem nessa situação. É quase um ponta-delança alter-ego atacante desses craques maiores.
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A tentação de meter Rafa a nº.9 (ou melhor, no espaço do n.º9, o que não é, na operacionalização do jogo, a mesma coisa) é, desta forma, irresistível pensando na forma fácil como a sua velocidade ganha profundidade e abre linhas retas isolando-se em direção à baliza. O treinador vê este poder de mudar o jogo e reconhece nele a solução para vários problemas. No funcionamento coletivo, porém, tal não tem o imaginado “transfer” associativo (nem completar) com o resto dos elementos atacantes (os que estão na raiz do sistema ou os que chegam desde trás). Pode decidir numa jogada de contraataque (ou ataque rápido) mas, na dinâmica de jogo, não decide na maioria das jogadas feitas em ataque continuado.
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Mesmo jogando fora, em Alvalade, é esse tipo de jogo em ataque organizado que deveria fazer o primado da organização ofensiva da equipa (sem com isso perder a visão de oportunidades de contra-ataque) mas sentindose, cada vez mais, que é a expressão das individualidades que na prática se impõe acima do plano coletivo de jogo, esta opção faz sentido para um treinador, Roger Schmidt, que pensa a fórmula atacante quase como fosse uma tática... individual: a “tática-Rafa”. Uma equipa grande não pode, no entanto, viver assim como ideia de jogo. Esta visão tem, contudo, mantido a equipa no topo do campeonato. O clássico do Dragão, pelas características estratégicas deste tipo de jogos, voltará a ser, em tese tática, um território ideal para os individualistas a atacar (e a equipa a defender).