Os cinco sentidos do melhor futebol
1Não se trata de nenhuma revolução tática, mas foi atraente ver aquele 4x4x2 do Leipzig em Madrid à procura de dar a volta ao resultado (perdera 0-1 na Alemanha) frente a um Real de cinco médios (Tchouameni, Camavinga, Kroos, Valverde mais Bellingham) estranhamente a especular demais com o jogo e com a curta vantagem.
O onze alemão, bem montado por Marco Rose, um treinador que acumula boas ideias de futebol, soltou-se a partir de um duplo-pivô livre expresso na “pequena sociedade” Haidara-Schlager. Uma liberdade para definir tempos de pressão (subindo-a no terreno com o decorrer do jogo em face do posicionamento de expectativa espanhol) e sair em posse dando profundidade ao jogo interior. A chamada liberdade tática responsável.
2A criatividade desde as faixas, com dois produtos da formação-Barcelona: Dani Olmo, a alma de n.º 10 desterrado desde um flanco (que poema aquele “remate-chapéu de coco” a levar a bola à barra no último minuto), e o sedutor Xavi Simons, com técnica por todo o corpo, que continua a crescer em direção à casa do grandes craques. Perfeita a frase com que Diogo Leite, que no Union Berlim o vê e confronta na Bundesliga, traduziu o que é jogar contra ele: “Para travar Xavi Simons são necessários os cinco sentidos!”. Na frente, o poder na dupla de ataque, com o remate pronto de Sesko ou a busca do mais pequeno espaço (metroquadrado) por Openda.
Um momento acima do jogo na ligação Belingham-Vinícius decidiu a eliminatória, mas no empate final (1-1) sentiuse que este era dos jogos que podia ter virado a lógica dos gigantes da Champions. Este Leipzig tem a pele de equipa para os momentos mais difíceis (e nos locais mais complicados). É um onze “anti-medo cénico” que combina o sistema com a estratégia e puxa o melhor dos jogadores quando estes se sentem importantes. No fim, o Real passou e como sempre brincou com o susto que as bancadas apanharam. São 122 anos a viver o futebol desta forma.
3O sonho da Real Sociedad de Imanol não resistiu a mais um aparecimento de Mbappé. Em geral, quando o francês voador decide descer à terra (à relva) para jogar futebol a sério, é imparável. No PSG, esses momentos de “ET em campo” são os territórios da Champions. Na antevisão, Luis Enrique especulou se jogava ou não: “Talvez sim, talvez não, já veremos”. Falou que a equipa deveria habituar-se a jogar sem ele, mas como isso é possível nesta dimensão? É como pedir para tentar viver sustendo a respiração debaixo de água e só vir à tona quando for seguro. Com Mbappé bastaram duas jogadas para marcar a diferença. E, antes, ainda avisara com mais uma. Decidiu, assim, um jogo que, na realidade extraterrestre onde habita, não estava ao seu nível. A sua verdadeira Champions começa na eliminatória seguinte.
No resto deste PSG de Luis Enrique, um detalhe tático chamou-me a atenção: a posição de Dembelé a jogar por dentro, no meio em vez da faixa, onde gosta de arrancar. Fica um jogador diferente e, confesso, até tive dificuldade em perceber bem se era mesmo ele. Não acredito que seja futebolisticamente possível tornar um agitador por natureza num pensador convertido, mas algum local existirá para cruzar estas duas formas de vida em campo.
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Harry Kane descobriu, por fim, o que é o Bayern da Champions. A Lázio nunca conseguiu pegar no jogo (e fechou-se demais atrás para o que é o decálogo de Sarri) mas este 4x2x3x1 de Tuchel pode ameaçar se aguentar bem o meiocampo, onde vejo Goretzka como o jogador mais importante para equilibrar o setor nas transições (o momento chave será não perder a bola em locais centrais que deixe a equipa defensivamente exposta ao ataque rápido adversário).
Muller é hoje um jogador que ainda parece jogar noutro tempo do Bayern. A equipa pede mais coisas dele numa fase da sua carreira em que se sente que ele precisava exatamente do contrário. Que fosse a equipa a dar-lhe.
O 4x4x2 do Leipzig e o mundo de Mbappé e Kane em Paris e Munique