O Jogo

A selecção põe giz no taco

- Folha Seca O autor optou por escrever na ortografia antiga

Nunca houve na história do futebol português uma selecção nacional tão carregada de presente e de futuro como a actual. Podemos não ter uma figura que garanta a tarifa de golos que Ronaldo garantiu, mas a gama de soluções ao dispor de Roberto Martínez retiranos o rótulo de equipa dum homem só e eleva-nos à categoria de colectivo poderoso e multifacet­ado. Até em posições tradiciona­lmente deficitári­as, como defesa esquerdo, o rol de opções é generoso. Isto significa que o selecionad­or tem um problema virtuoso entre mãos, o que acarreta outro problema, que é assumirmos, sem alardes nem falsas modéstias, o favoritism­o à vitória no Euro.

O dilema é incontorná­vel, pois a espinha dorsal da equipa vem dos grandes clubes mundiais. Não nos podemos esconder, nem os jogadores quererão esconder-se porque são vacinados semanalmen­te contra o medo cénico e a pressão é o seu nome do meio. Há que lidar com as expectativ­as elevadas, sobretudo da Imprensa, que enfunará a vela da Nau Catrineta até romper.

Até agora, tem sido um mar de rosas, Martínez tem lidado habilmente com o ambiente, seja arriscando falar um português com pregos, colocando-se assim nos antípodas do espanhol imperial, que vem ensinar umas coisas sobre bola ao

primo da faixa atlântica da península, à imagem de Arteta ou Lopetegui. O modo como captou simpatia em Guimarães, ao convocar Jota e ao dar-lhe mais de meia hora para se mostrar, comprova a sua estratégia sedutora. Também tem gerido com pinças a questão geracional, ao insistir com Pepe – talvez sem necessidad­e – e Patrício, suplente de Svilar desde que

Mourinho deixou Roma, e que se traduziu num nervosismo evidente em Guimarães, sobretudo a jogar com os pés, o que se compreende após três meses de banco.

Isto leva-nos à delicada pirâmide do balneário, com o coro graduado de vozes que dá o tom da música que se lá ouve. E aí o teste supremo será Ronaldo. Como encara ele a perda da influência em campo para Bruno Fernandes? Porque sejamos claros: a emancipaçã­o de Bruno Fernandes é a mudança mais profunda do consulado de Martínez. Estamos perante o novo e inequívoco regente da selecção, o coordenado­r da manobra geral, que joga e faz jogar, assiste, marca, orienta os mais novos. Por outro lado – e ao contrário do que imaginava –, Martínez não descobriu como arrumar Bernardo Silva na mecânica da equipa, um imbróglio que *

Fernando Santos arrastava e que muitos atribuíam à sua inépcia táctica. Pois bem, Martínez também não desatou esse nó, talvez por estar ainda a reconfigur­ar a máquina. Dir-se-ia que Bernardo é uma peça feita à medida do caos criativo de Guardiola no Manchester City, e que fora dessa geringonça – onde ninguém tem lugar definido – o craque não consegue soltar todo o potencial desequilib­rador.

Mas o mais importante é isto: a selecção está carregada de presente e de futuro. Só falta saber como reagirá perante rivais como a França e a Espanha em ambientes de tudo ou nada, algo que descobrire­mos em breve. Até lá, Martínez põe giz no taco.

Como encara Ronaldo a perda de influência para Bruno Fernandes? A emancipaçã­o deste é a mudança mais profunda de Martínez, é o novo e inequívoco regente da selecção

Aos domingos - Este espaço é ocupado, alternadam­ente, por Carlos Tê e Álvaro Magalhães

 ?? ??
 ?? ?? Bruno Fernandes joga, faz jogar, assiste, marca e orienta os mais novos
Bruno Fernandes joga, faz jogar, assiste, marca e orienta os mais novos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal