Luís Freitas Lobo
1Os anos 90, após o desmembramento da “cortina de ferro”, começaram a mostrar que existia uma identidade própria de futebol na Geórgia além da URSS. Ainda recordava os grandes jogos do Dínamo Tbilisi (com o capitão russo Chivadze) e as jogadas de Ketsbaia, quando começou a aparecer na frente um terrível avançado veloz, Arveladze (que brilharia no Ajax).
O futebol georgiano ganhava a sua voz dentro dum clima emocional tremendo expresso nos jogos em casa, como no último jogo para o Euro 2024. Um estádio com multidão enlouquecida que no fim invadiu o relvado para festejar com os seus heróis o feito incrível do apuramento.
No estilo de jogo, a Geórgia não mudou muito. Continua, mesmo como quando dentro do contexto soviético, a ser um reduto superior na qualidade técnica dos seus jogadores (que parecem querer viver o jogo sempre em projeção acelerada) mas ganhou, do ponto de vista tático, maior maturidade com o comando nos últimos três anos do francês Willy Sagnol, que montando um sistema de três centrais (defesa a”5” num esquema de 5x3x2) deu ao onze maior estabilidade defensiva e maior capacidade de gerir tempos de jogo posicionando-se atrás da linha da bola.
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Essa maior consistência do processo defensivo, com outra temporização em posse de bola (criando/ rotinando um onze base) e a aparição duma grande individualidade, Kvaratskhelia, um craque com técnica, velocidade e golo, juntaram as condições para que todo aquele estado de alma tivesse também uma consciência competitiva equilibrada taticamente.
Atravessando todas as fases, no centro da defesa a “3” entra Guram Kashia, 36 anos, capitão com 112 internacionalizações, que está agora o Slovan Bratislava após muitas épocas no Vitesse. A equipa base joga toda fora da Geórgia, só o novo campeão Dínamo Batumi (a nova maior força do futebol georgiano) mete hoje jogadores na seleção.
Como segurança máxima, um guardaredes que está a marcar a nova geração: Mamardshvili, 23 anos, há três no Valência (vindo do Lokomotiv Tbilisi). Com agilidade, quase dois metros (1,99 metros em rigor) chega a todas as bolas, como um homem de borracha a voar. Impressiona pela altura e instinto como se move sem receios para todas as bolas que cruzam a área.
3Descobrindo a Geórgia, a seleção-sensação apurada para o Europeu
O onze tem um trio no meio-campo que aguenta a equipa na luta (lances divididos) e segurar da bola. Keiteishvili, 28 anos, é a principal referência do setor, mostrando o mesmo futebol controlador que joga no Sturm Graz da Áustria. Sentido posicional à frente da defesa e poder de equilíbrio para defender e entregar no inicio da construção, aparecendo depois médios como Kochorasvili (24) muito bem na saída, a crescer a jogar no Levante, e Chakvetadze (24), com o n.º 10 nas costas, a ligação com a dupla ofensiva numa agressividade a atacar os espaços que vem muito do que tira dos seus jogos ingleses no Watford.
Por vezes, também fica Kvekveskiri (33) experiente no centro do setor, ou Davitashvili (23) que está a aparecer bem no Bordéus, muito elogiado por Sagnol que sabe ter nesta base do meiocampo o controlo do centro do jogo. Muitas vezes fica a defender numa linha de “5” (Shengelia, 28, do Panetolikos grego) recuou na ala e tornou-se um lateral-esquerdo a fazer todo o corredor, enquanto Kakabadze (29, do
4U. Craiova) é dono indiscutível do flanco direito.
O ataque tem os arranques de “Kvaradona” (o craque que devolveu o título italiano ao Nápoles). Tenta muitas vezes começar e acabar todas as jogadas, quando na dupla de ataque móvel (“Kvara” joga essencialmente solto, buscando entrar em torno duma referência mais n.º 9) pode ter a seu lado Zivzivadze (30, do Karlsruher), avançado que sabe tudo de movimentações mas não é explosivo, ou Mikautadze (23) a crescer no Metz em ternos de fundamentos de jogo com base nas escolas francesas. Impulsionados pela aura de “Kvara”, a seleção tem sempre uma dupla atacante muito rápida e imprevisível.
O futebol da Geórgia entrou com identidade própria no mapa da elite do futebol europeu.