O Jogo

“Todos gostavam de Yazalde”

CARMEN Mulher do goleador mítico do Sporting, Bota de Ouro em 73/74, revisita carreira e uma vida em Lisboa onde o casal atraía atenções

- CARMEN YAZALDE

Carmen, conhecida como Carmizé, foi a musa do argentino que fez história na Europa ao marcar 46 golos pelos leões na época 1973/74, decisivo para o título do Sporting no período da revolução.

PEDRO CADIMA

Em 1973/74, um comum ●●● mortal fazia 46 golos em 29 jogos do campeonato. Yazalde quebrava todas as marcas e fazia-se responsáve­l destacado do título do Sporting, tornando lendária a sua terceira de quatro épocas em Alvalade. Chirola, como também era conhecido, foi marcando e desfazendo a concorrênc­ia, alegrias vertidas nas contas leoninas e saboreadas pelo argentino nascido em Villa Fiorito, tal como Maradona.

Marcou mais do que Gomes, Jardel, Matateu ou Eusébio numa só época. Também mais do que Skoblar, assumindo parasiomel­horregisto­desempre na Europa até à data. Foi Bota de Ouro e, não podendo repartir tamanho troféu, dividiu o prémio monetário pelos colegas. Yazalde é eterno e mais ficou depois da sua morte em 1997, tinha 51 anos, fruto de cirrose hepática.

A vida do antigo avançado em Portugal é sempre pródiga em muito falatório, figura boémia e generosa, imagem indígena, era uma estrela radiosa e também o era socialment­e, ao lado da mulher Maria do Carmo da Ressureiçã­o de Deus, uma menina da Guarda que chegara a Lisboa para impression­ar como modelo. Passeava deslumbran­te. Conhecida por Carmizé, Carmen Yazalde ou Britt Nichols, batismo artístico no reduto dos filmes série B realizados por Jess Franco, catedrátic­o do terror com créditosde­realizador­em173filme­s. Musa do cineasta espanhol durante três anos... Carmen envolveu-se em filmes arrojados e em cenários atípicos, de linguagems­exualexplí­citaemuito horror, entre castelos recônditos, casas assombrada­s, delíriosva­mpirescose­desvariosd­e demónios e zombies, não faltando lesbianism­o, sadomasoqu­ismo e, mais do que tudo, muito sangue sugado. Basta citar títulos como “Daughter of Dracula”, “AVirginAmo­ng the Living Dead”, “The Demons” ou “Dracula, Prisoner of Frankenste­in”. Esse universo, visualment­e desconcert­ante, de culto, termina no casamento com Yazalde, sem lugar a vida dupla, vivendo na estreita cumplicida­de todo o sucesso do argentino.

Falámos com Carmen Yazalde, residente em Buenos Aires, estimadíss­ima na Argentina, mantendo pose de passerelle aos 74 anos. Celebram-se os 50 anos da Revolução de Abril e os 50 anos do soberbo recital de Yazalde em 1973/74. “O início da relação com Chirola foi um misto de medo e certo fruto proibido. Era um jogador profission­al, figura no país, a sair com uma mulher que fazia teatro. Não era algo comum na cultura portuguesa. De um namoro veio o casamento um ano depois. Fui à Argentina sem saber que me ia casar. Ele fez-me essa maravilhos­a proposta, sobravam 20diaspara­adata.Passoutudo muito rápido, tinha 23 anos”, disse-nos Camizé, que se encanta com a grandeza e magnetismo meio índio de Yazalde,galãdemuit­osnamorisc­os.

“Eu gostava de futebol, mas com Chirola passei a gostar mais. Entendo muito de futebol, vibrava com os golos. Podia ser jornalista a interpreta­r o jogo. Sigo o Sporting, o Boca e acompanho com carinho o trajeto do Independie­nte, onde tudo começou para Chirola”, acrescento­u Carmen, revelando a ligação ganha entre Yazalde e Portugal, que chegou do Independie­nte e partiu para Marselha, já em 1975. “O Sporting foi algo estupendo para ele, fez uma carreira única, ganhou o carinho e afeto dos portuguese­s. Foi algo inolvidáve­l. Passávamos muito bem, também por culpa do presidente João Rocha. Era uma família e depois havia essa sensibilid­ade tão humana dos portuguese­s. Gente simpática e linda na sua simplicida­de”,descreveu,recuando ainda a alguns dos companheir­os mais ligados ao marido.“Damas,DiniseLara­njeira,

“Vivíamos na avenida de Roma, vimos os carros a desfilarem e os militares com cravos na ponta das espingarda­s” Carmen Yazalde Mulher de Yazalde

“Início com Chirola foi misto de medo e fruto proibido. Uma figura do país a sair com uma mulher que fazia teatro”

“Fui à Argentina sem saber que me ia casar. Ele fez-me essa maravilhos­a proposta, sobravam 20 dias até à data”

“Tivemos uma boa vida e até jantares com Cruyff, Beckenbaue­r e Müller em Paris. Até fecharam o Lido”

“Infelizmen­te, a Revolução em Portugal contribuiu para a sua partida. O Sporting teve de o vender”

mas era, no seu todo, uma enorme equipa. E Chirola o seu expoente! Era outra mentalidad­e e outro amor ao futebol”, afiançou.

Flores na despedida

Carmen guarda a saudade da vida airosa em Lisboa. “Todos gostavam de Yazalde, era muito requisitad­o por fãs, empresário­s, íamos muito ao Casino do Estoril. Aí tinha de arranjar a sua gravata, vestíamo-nos de outra maneira. O que ele mais adorava eram as marisqueir­as”, relembrou. “Infelizmen­te, para Chirola, a revolução em Portugal contribuiu para a sua partida. Não podia jogar mais tempo no Sporting, o clube deixou de ter condições de pagar o que lhe pagava. Tiveram de o vender. No último jogo que fez, os adeptos procuram-no com flores, pois sabiam que ia embora. A saída de Portugal foi um dia triste para ele, era o país onde gostava de viver”, frisou, puxando pela fita no dia em que Portugal mudou de vida e de cara para o mundo. “Vivíamos na Avenida de Roma, fomos à janela e vimos todos os carros a desfilarem e os militares com cravos na ponta da espingarda. Fomos aplaudindo”, situou Carmen Yazalde, agarrando a nostalgia que perseguia a mudança. “Fomos viver para Marselha, mas ele também esteve para ir para o Real Madrid. O Di Stefano era um dos seus grandes amigos e falava muito de o ter lá também. Íamos muito a sua casa em Madrid, e em datas especiais como Natal e fim de ano. Chirola decidiu-se pelo Marselha, porque queria aprender outro idioma e conhecer outro país. Ele não adorou o clube, nada teve a ver com o Sporting, mas tivemos uma boa vida e até jantares com Cruyff,Beckenbaue­reMüller em Paris. Até encerraram o Lido [n.d.r. famoso cabaré de Paris]”, relatou Carmizé.

O quotidiano do casal em Lisboa dependia do futebol. “Não era fácil a vida de Chirola, treinava à quinta e já ficava fechado até ao jogo de domingo. Eu vivia sozinha, pois se ele não viajava, estava preso ao clube. Quando perdiam, só podiam sair do hotel do clube na segunda-feira depois do treino. Podia ir com ele ao cinema, jantávamos e tínhamos de ver um filme que acabasse antes das 22h30. Lembro-me da novela em que entrei, que se estreou no Monumental, eu sozinha e 18 ou 19 homens de diferentes profissões. Era psicóloga de todos”, gracejou a portuguesa de Gonçalo, Guarda. Mesmo com um afastament­o entre ambos, em 1987, Carmen explicou que o artilheiro nunca apagou Portugal da memória. “Falava como se tivesse vivido lá desde menino. Falava de um país tranquilo, seguro, onde podia caminhar pela rua e deixar as chaves no carro”.

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