O Jogo

A boutique e o Monumental

Beleza atraiu Vasco Morgado e levou-a ao teatro de revista, onde partilhou palcos com divindades

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Experiment­ou filmes raros, ousados, levada para cenários vampiresco­s, carregando uma dentadura e chupando o sangue dos seios de outra atriz. A Carmen da Guarda era, nesta fase, Britt Nichols.

PEDRO CADIMA

Filha de pai carpinteir­o e mãe dona de casa, Carmen da Ressurreiç­ão mudou-se com os progenitor­es para Lisboa aos sete anos. “Eram 300 quilómetro­s, não era tanto. Se fosse na Argentina, era como ir a um supermerca­do”, começou por brincar, lembrando a vida já adolescent­e na capital portuguesa que a levou a ser recrutada como modelo e atriz. “Trabalhava numa boutique perto de Benfica e estudava francês. Um dia apareceu o empresário Vasco Morgado, que precisava de uma atriz substituta para alguém que se tinha magoado. Era a peça ‘Lisboa é sempre mulher’. Estreei-me no Monumental, conhecendo Camilo, Laura Alves, Florbela Queirós, Tony de Matos, Carlos do Carmo e Amália, que deu pontapé de saída num dos primeiros jogos de Chirola. Estive com ela na Argentina, eu era uma espécie de madrinha da cultura portuguesa na televisão argentina. Dei-lhe uns brincos que adorara ”, contextual­izou Carmen, orgulhosa dos tempos nos fados de Alfama na companhia de Chirola, Camilo e Io Apolloni.

Antes havia sido atração no cinema como Britt Nichols, descoberta por Jesus Franco. “Fiz muitas peças, fiz de Evita, até que Jess descobriu-me no teatro Maria Vitória. Ele procurava raparigas bonitas para os seus filmes, tinha francesas, espanholas, belgas, alemãs, de todo o lado. Eram filmes diferentes, tinha 40 câmaras, pedia-nos para fazer coisas, algumas que nem me recordo. Era a minha juventude, estava entre muitas companheir­as. Todas interpreta­vam o que ele dirigia, filmes com o drácula, mulheres seminuas. Mas não me interessav­a, estava a atuar. A Sophia Loren e a Claudia Cardinale começaram como mulheres da vida nas representa­ções. Também fui rainha e freira”, documentou Carmen, rebobinand­o as cenas ousadas que estavam em cartaz. “Tinha uma dentadura, levanto-me da cama para chupar o sangue dos seios de outra rapariga. Nunca vi esses filmes, embora saiba que são de culto. Chegaram-me

a falar de um cartaz em que aparecia em Málaga. O Franco era muito caprichoso, acho que também manipulou algumas coisas, usava a cara de umas no corpo de outras”, acusou, antes de explicar o adeus a esse género. “A partir da relação com Chirola saí desses filmes, foram alguns ainda, filmados em sítios incríveis, em castelos inimagináv­eis. Deu-se um convite para ir a Itália gravar com Polanski, mas foi aí que o Yazalde me levou à Argentina. De lá voltei casada. Deixei de ser atriz, mas fiquei como modelo. Até hoje. Posso dizer que ainda respondo a convites de lojas e revistas. Posso dizer que ser querida é mais importante do que ser conhecida. Isso vai das pessoas mais novas às mais velhas”.

“Eram filmes diferentes, umas 40 câmaras, fazia o que me pediam. Era a juventude”

Carmen Yazalde Mulher de Héctor Yazalde

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Héctor e Carmen viveram juntos 14 anos

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