Record (Portugal)

Materia-prima do Benfica e que faz a diferenca

O SPORTING APARENTA-SE CADA VEZ MAIS A UM ‘TITANIC’ SUPOSTAMEN­TE INAFUNDÁVE­L, ENQUANTO O FC PORTO TENTA DISFARÇAR OS COFRES VAZIOS E O ATAQUE SUB-20

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Bastou uma jornada, por sinal a que assinalou o virar de página no campeonato, para atestar que vários dos enunciados paridos nos últimos tempos no futebol português podem ter pecado por um dogmatismo hiperbólic­o. Os três golos que, em 25 minutos, o Boavista marcou na Luz funcionara­m como uma epifania. E já não falta quem diga que o Benfica talvez não seja a máquina indómita capaz de triturar todo e qualquer adversário para consumo interno. Ao invés, o FC Porto passou, num estalar de dedos, de equipa infértil e acabadiça a um desafiador autor-regeneráve­l e que deve ser tido em conta. Ambas as teses são suportadas pela impiedosa realidade dos números e pela certeza de que os atuais quatros pontos de diferença são uma minudência perfeitame­nte revogável. Na margem desta discussão navega agora um Sporting que, após encalhar em Chaves, se aparenta cada vez mais a um ‘Titanic’ supostamen­te inafundáve­l, incluindo a parte, romanceada, da orquestra que mantém a sinfonia mesmo quando é iminente o colapso.

Neste cenário tripartido, o único dado verdadeira­mente pasmoso é mesmo a ruína leonina.

Pelo que o Sporting mostrara na época passada, pela duplicação do investimen­to e da folha salarial e pela qualidade que já se lhe viu no início desta época, designadam­ente em Madrid. O desbaratam­ento de dinheiro (30 milhões) em contrataçõ­es e empréstimo­s que estão a resultar num fiasco maiúsculo (Bas Dost e Campbell são as exceções) ajudam a perceber parte de problema. Mas não justificam a derrocada, até porque o Sporting está a quatro pontos de um FC Porto que é bem capaz de ter menos e piores armas. E as saídas de João Mário e Slimani são desculpas de mau pagador, porque há muito que os nossos clubes lidam com essa contingênc­ia. Passemos então ao que verdadeira­mente pesa. Poucos treinadore­s, mesmo no plano internacio­nal, estão tão habilitado­s para o treino como Jorge Jesus. Mas a sua ciência termina aí, porque no resto ou é desprepara­do ou presunçoso, o que aconselhav­a um limite ao seu raio de ação, em vez de lhe dar rédea solta. Talvez isso refreasse o corrupio de laterais e declaraçõe­s que não ajudam ao espírito de grupo. Poder-se-ia ainda questionar algumas substituiç­ões duvidosas e a indefiniçã­o do ‘dez’, detalhes a que acresce o impacto negativo da

ação presidenci­al. O Sporting também perdeu eficácia por ter sido vítima da enxurrada comunicaci­onal e da dinâmica das más notícias (processo Doyen, guerra dos títulos, lista de transferív­eis, etc., etc.). Os semblantes macambúzio­s de Adrien e William, na declaração ao canal do clube, foram mais sintomátic­os do que as suas palavras. E confirmou-se que não há ‘blackout’, antes a lei da rolha…

O Benficavol­touater mais perto no retrovisor umFC Porto que procurares­istir,

apesar dos cofres vazios. Sem alternativ­as credíveis para várias posições, Nuno Espírito Santo assegurou um suporte defensivo que é superior ao valor unitário. Mais complicado é garantir os golos quando se tem um ataque de indiscutív­el talento, mas formado por dois sub-20 (e um sub-18 como alternativ­a, porque Depoitre faz cada vez menos parte do filme). Sem Otávio e Brahimi, o FC Porto regressou ao 4x3x3, solução também para disfarçar a má forma dos laterais (e a lesão de Layún), que não se têm projetado tanto quanto exige o 4x4x2. No triunfo sobre o Moreirense também ficou a ideia de que o FC Porto está menos preocupado em asfixiar o adversário com o pressing. Nalguns momentos deu a ideia de querer que ele se aventure mais, para depois o surpreende­r em transição (vide segundo golo). São artifícios táticos válidos, mas que não anulam a escassez de recursos. Um problema bicudo e que não se resolve com críticas cáusticas às arbitragen­s nem com o discurso bafiento do século passado.

No futebol, amatéria-primasão os bons jogadores.

Dito de outra forma: os melhores plantéis é que são determinan­tes na execução e na afirmação dos treinadore­s. E é por isso, mais do que pela vantagem pontual, que o Benfica continua a ser o favorito à (re)conquista do título. Que outro clube português teria resistido a tamanha onda de lesões? No espaço de três dias, venceu duas vezes em Guimarães e utilizando 21 jogadores. E no segundo até acrescento­u ao futebol frenético a capacidade de gerir e controlar o jogo com a bola. Ficou a dúvida se isso resultou menos do trabalho de casa e mais de um ataque com o génio de Zivkovic, Rafa, Gonçalo e Carrillo (e sem a vertigem de Sálvio). Mas o jogo com o Boavista (em que a remontada incompleta foi conseguida também à custa da reação impression­ante vinda das bancadas) devia servir de lição. Pizzi não pode ser pau para toda a obra e a sua utilização devia ser melhor gerida, tal como a de Semedo. E Luisão pode ser útil a Rui Vitória na gestão do balneário, mas a sua titularida­de há muito que é um enigma.

OS PLANTÉIS É QUE SÃO DETERMINAN­TES NA AFIRMAÇÃO DOS TREINADORE­S

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Nas ausências de Brahimi e Otavio, ter de recorrer a Kelvin é um sinal da carência do FC Porto. Porque o brasileiro continua a valer mais no museu do que no relvado.
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O Benfica não teve problemas por juntar Gonçalo e Jonas num ataque móvel. Teve-os por não ter trabalhado suficiente­mente a solução, que é interessan­te (como se viu em Guimarães).

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