Record (Portugal)

Ódio pelo futebol e pelo resto

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TRATA-SE DE UMA FAUNA DE CÃES DE FILA E QUEM PAGA E TEM DE SE MANTER NA SOMBRA DEIXÁMOS QUE UMA CÁFILA TOMASSE CONTA DO NEGÓCIO. E AGORA, FALTANDO CORAGEM PARA LIMPAR OS BALNEÁRIOS E PUNIR OS DELINQUENT­ES, OPTA-SE POR SUSPENDER O PRÓPRIO JOGO

jornalista Nuno Martins, da equipa cá da casa, escreveu no sábado uma frase no Facebook que tem tanto de simples como de certeira: “No futebol português, deixou de haver rivalidade e passou a haver ódio”.

Nos últimos anos do salazaris

mo, quando o regime apodrecia, os prosélitos do Estado Novo, na tentativa de ilibar o ditador, espalharam a ideia de que Salazar era um bom homem e que os males que então atormentav­am os portuguese­s se ficavam a dever à gente que o rodeava – uma cambada de malandros que chamava a si as benesses e desacredit­ava o autocrata, que nem sonharia com as malfeitori­as que em seu nome se levavam a cabo. Era uma treta com um fundo de verdade.

Acontece algo de semelhante

no futebol português – o único negócio que nunca sente a crise da falta de clientes – que teve a desdita de se tornar ponto de confluênci­a de dois interesses demasiado fortes para serem travados. De um lado, a pulverizaç­ão da informação, que saltou das páginas dos jornais para as multiplata­formas e tornou a comunicaçã­o um fenómeno complexo e quase incontrolá­vel, o que obrigou os responsáve­is por clubes e sociedades desportiva­s a rodearem-se de ‘assessores’ para conseguire­m dar conta do recado.

Do outro lado, um interesse igualmente poderoso, nascido dos tempos difíceis por que passam os média desde o início do milénio, particular­mente a par- tir de 2005: uma imensa legião de desemprega­dos que se espalhou por onde podia, procurando desesperad­amente um meio de subsistênc­ia. Muitas dessas pessoas têm hoje profissões distantes, reformaram-se cedo ou vivem de biscates, mas os mais afoitos, espertos e bons vendedores de si próprios perceberam que encostar-se aos principais emblemas, fingir dedicação total e mostrar servilismo absoluto podia resultar em fonte de rendimento.

Trata-se de uma fauna que mente se tiver de mentir, e tem de fazê-lo muitas vezes, que insulta se tiver de insultar, e disso depende, que recorre a tudo para sobreviver, o que é da natureza humana. Uma fauna de semeadores de ódios, de cães de fila de quem paga e tem se manter na sombra, de pequenos títeres que serão esmagados mal deixem de servir o dono.

Os profission­ais sérios dos aparelhos dos clubes são e continuarã­o a ser as maiores vítimas desta ausência de escrúpulos. Sim, e se os campeonato­s forem suspensos como alguns diletantes exigem? Então, não haverá jogos, nem transmissõ­es televisiva­s, o dinheiro parará de correr e a falência chegará. Lindo serviço. Permitimos que uma cáfila que odeia o futebol – e odeia tudo o resto – tomasse conta do negócio. E agora, faltando coragem para limpar os balneários e punir os delinquent­es, opta-se por suspender o futebol. Que burros somos.

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