Record (Portugal)

“Ibrahimovi­c era dos meus melhores amigos”

Faz hoje 40 anos um dos melhores médios portuguese­s de sempre. Maniche abriu-nos as portas de casa e fez uma longa viagem sobre uma história que começou na Luz e acabou em Alvalade. O presidente da Camacha é um homem feliz que assume erros e confessa mágo

- ENTREVISTA DE NUNO FARINHA FOTOS DE PAULO CALADO

Não lamenta ter acabado a carreira com 499 jogos oficiais? MANICHE – Nada disso. Fiz mais. Então?

M – Fiz 500. Já fui investigar isso que aparece em vários sites e percebi que há um erro. Ninguém considera um jogo que fiz pelo Benfica B, na Camacha, na época 2001/02. Foi o único jogo, aliás, que fiz pela equipa B.

Foi treinado por José Mourinho no Benfica, no FC Porto e no Chelsea. Lembra-se do dia em que o conheceu?

M – Sim. Conhecemo-nos no balneário do Benfica, quando ele chegou após o despedimen­to de Jupp Heynckes. Embora eu fosse muito novo, já era um dos capitães de equipa e lembro-me de ter logo conversado com ele.

Com que ideia ficou?

M – Ao fim de poucos dias já tínhamos todos percebido o que ali estava. A primeira novidade foi que todos os exercícios, em todos os treinos, tinham bola. Nós nem percebíamo­s o trabalho físico que estávamos a ter. Chegávamos a ficar uma hora e meia a trabalhar sem parar e o tempo passava a voar. A bola compensava tudo.

Até apetecia ir treinar… M – Completame­nte! Todos os treinos eram diferentes. Chegávamos ao estádio alegres, curiosos para saber o que nos esperava. Era fantástico trabalhar assim. Recorda-se da estreia oficial pelo Benfica, ainda uns anos antes de Mourinho ter chegado?

M – Nunca se esquece. Tinha 17 anos e orgulho-me de ter sido um dos jogadores mais jovens a atuar pelo Benfica nas competiçõe­s europeias. Foi na Bélgica, com o Liérse, para a Taça UEFA. Essa minha chamada tem uma história curiosa.

Então?

M – Quem me convocou foi o Artur Jorge. Mas fez essa convocatór­ia e no dia seguinte foi despedido. Quando fizemos a viagem para a Bélgica já era Mário Wilson o treinador. Ganhámos 3-1 e eu entrei a 5 minutos do fim para o lugar do Panduru.

Na segunda mão já foi titular. M – E esse jogo também tem uma história que nunca esquecerei. Ficou-me para sempre aquilo que o Valdo fez. Na altura só podiam ser convocados 3 estrangeir­os. O Valdo, que é um ser humano fantástico, disse ao Mário Wilson que abdicava de jogar para que eu pudesse alinhar de início. Tínhamos ganho 3-1 fora, a eliminatór­ia estava quase resolvida, e ele achava que era bom eu fazer a minha estreia naquela noite. E pediu ao Mário Wilson: “Ponha o garoto, que ele vai cumprir.” Fiquei sem palavras. Ainda para mais vindo de um craque daqueles.

Continua a falar com o Valdo? M – Por acaso encontrámo-nos há pouco tempo e eu falei-lhe nesta história. Ele também se lembrava bem disso. E houve mais um episódio engraçado nesse jogo. No estágio, fiquei no quarto com o Ricardo Gomes. Bom, quando o despertado­r tocou nessa tarde, no dia do jogo, acordámos e o Ricardo despachou-se rapidament­e. Eu não me apercebi das horas e fiquei nas calmas a arrumar as coisas. Lanchei, sem pressa, e lá fui para o autocarro. Quando lá cheguei… percebi que era o último e que estavam todos à minha espera! Eu tinha só 17 anos e Ricardo estava a testar-me para perceber se eu já era suficiente­mente responsáve­l. Fiquei corado quando vi todos a olhar para mim. Passei o resto do dia a pedir desculpa. Aprendi a lição. Entretanto aconteceu a saída por empréstimo para o Alverca. ComDeco nessa equipa, naII Divisão, deviam ser tempos muito animados…

M – E de que maneira. Tínhamos grandes jogadores e jogava-se futebol de grande qualidade. Deco, Hugo Leal, Anderson, Cajú, Bruno Basto, Juba, Sousa, Diogo, etc. Todos a começar, cheios de vontade. Levámos o Alverca à I Divisão pela primeira vez. Foi uma aprendizag­em enorme.

Entretanto regressou àLuz, ainda emprestado ao Alverca, e marcou um golo num célebre 2-2. Foi complicado?

M – A todos os níveis. Ali estava eu para jogar contra a equipa que me emprestou, e que me pagava metade do salário (era um acordo de 50/50), e de repente, com o jogo empatado 1-1 a 10 minutos do fim,

“COM JOSÉ MOURINHO TODOS OS TREINOS ERAM DIFERENTES. FOI MUITO BOM PODER TRABALHAR DAQUELA FORMA”

fico ali, sozinho, com o Michel Preud’Homme à frente… + O que lhe passou pela cabeça?

M – Muita coisa. A baliza ia parecendo cada vez mais pequena e o Michel cada vez maior. Nem sabia o que fazer. Mas tive mesmo a felicidade de marcar e o Alverca ficou aí a ganhar 2-1, em plena Luz. Mas, pronto, o árbitro deu 7 minutos de descontos e o Benfica ainda acabou por empatar (risos). + Não ouviu nenhuma palavra desagradáv­el nessa noite?

M – Há sempre qualquer coisa… (risos) Recordo-me que o falecido Asterónimo Araújo, carismátic­o massagista do Benfica, disse a alguém do Benfica que eu estava eufórico no túnel, a festejar o empate. Nada disso se passou. Obviamente que estava contente e que terei dito alguma coisa, mas não foi nada de especial. + Na época seguinte (1999/00) estava de volta ao Benfica. Fez quase 40 jogos com Jupp Heynckes. Esperava tanto? M – Ele mostrou ser corajoso. Foi-me buscar ao Alverca e apostou em mim num plantel cheio de qualidade. Não era fácil jogar ali. Cheguei a ser titular no lugar de Poborsky, com ele no banco. A temporada do Benfica foi má, mas as coisas correramme muito bem. Fui até o segundo melhor marcador da equipa,

atrás do Nuno Gomes. + Que importânci­a teve Jupp Heynckes na sua carreira?

M – Enorme. Foi responsáve­l pela melhoria do meu ordenado e também me recordo que todos os dias, após cada treino, me punha a fazer trabalho específico, a chutar a bola durante meia hora contra a parede só com o pé esquerdo. + Funcionou?

M – Nem por isso (risos). Ele entendia que o meu pé esquerdo tinha de melhorar, mas aí não teve muito sucesso (risos). Mas, pronto, ao menos tentámos. Um grande homem. Quando fui para o Colónia, muitos anos depois, lembrome de que ele deu uma entrevista na Alemanha onde me deixou vários elogios. Agradeço-lhe tudo o que fez por mim. Foi a partir do momento em que trabalhei com

ele que a minha carreira começou a fazer sentido. + Onde é que Heynckes falhou no Benfica?

M – É difícil dizer… Grande treinador! Campeão europeu antes de chegar ao Benfica, campeão europeu depois de sair e, como se vê, ainda aí anda e com grande sucesso. Acho que a noite de Vigo foi fatal. Chegámos a estar à frente do campeonato, mas esse jogo com o Celta mudou tudo. Ele também tomou uma decisão arriscada. + Então?

M – No dia seguinte ao 7-0, em treino aberto, colocou os jogadores a correr em grupos de quatro à volta do relvado. O problema é que estávamos obrigados a passar atrás das balizas, onde estavam adeptos preparados para nos insultar. Algumas referência­s da equipa não gostaram nunca mais disso foram e acho que iguais. as coisas Mas houve trouxe outras hábitos situações. para os quais O míster não estávamos preparados. + Como assim?

M – Tínhamos de comer massa, massa e massa. Alguns dos jogadores mais importante­s não apreciaram muito o novo menu… (risos). + E ainda houve a questão João Vieira Pinto.

M – Pois. O João era uma figura querida dos adeptos e, de repente, deixou de ser indiscutív­el. Também fez mossa. + Recorda-se da viagem de regresso a Lisboa depois dos 7-0 de Vigo? M – Foi tudo humilhante. Tudo. O pior foi isto: a partir dos 4-0 já eram os próprios adeptos do Celta a puxar por nós. Batiam-nos pal-

“QUANDO VI QUE JÁ SÓ TINHA O PREUD’HOMME À FRENTE, ELE IA FICANDO CADA VEZ MAIOR E A BALIZA MAIS PEQUENA...”

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