Record (Portugal)

Um craque indiferent­e ao mercado

MANUEL FERNANDES NÃO RETIROU DA CARREIRA A GLÓRIA CORRESPOND­ENTE AO TALENTO QUE POSSUI – FALTAM-LHE TÍTULOS, PRESENÇAS NA CHAMPIONS E NOS PALCOS DAS GRANDES COMPETIÇÕE­S. NÃO ENCANTA PLATEIAS. É SÓ PERFEITO EM TUDO QUANTO FAZ…

-

A ENTRAR NA VETERANIA, REVELA O ENTUSIASMO JUVENIL DE QUEM AINDA SENTE PAIXÃO PELO JOGO

Não correspond­e aos anseios televisivo­s dos truques geniais ou de golpes de magia que fazem levantar as plateias: Manuel Fernandes limita-se a ser perfeito em tudo quanto pensa e executa. É um enorme jogador, que cumpre os requisitos da variedade exigida nas funções que desempenha em todos os postos do meio-campo e, em cada um deles, acrescenta-lhe soluções surpreende­ntes. Não comete erros por dispersão, por má avaliação da distância, por errar passes simples ou por fazer uma finta a mais – é um fabuloso centro-campista que resolve qualquer situação delicada por intuição mas também pela sensibilid­ade com que armazenou o conhecimen­to assimilado pelo te po.

Era ummiúdo e jogava como se

fosse umhomem feito; está a entrar na veterania e revela o entusiasmo juvenil de quem ainda sente paixão e prazer pelo futebol. Impõe-se por inteligênc­ia tática superior; simplicida­de de processos; sentido de segurança e uma técnica sublime na qual são evidentes os resíduos não tóxicos de uma habilidade fora do comum. Uma das suas vantagens é o talento superior revelado na forma como domina as chaves coletivas do jogo e o modo como correspond­e aos três grandes valores que definem o seu conhecimen­to: o espaço, o tempo e a boa interpreta­ção do engano.

Poucos como ele no futebol europeu são tão perfeitos e comple

tos naquele serviço de apoio aos companheir­os. Só um craque é capaz de acudir a todas as chamadas sem prejudicar a solidez do exército que representa; só um futebolist­a com ampla visão de jogo e capacidade para interpretá-lo consegue melhorar, a favor dos seus, o que se passa a defender e a atacar; à esquerda, à direita e no eixo central; com e sem bola. É um médio completíss­imo, que orienta a manobra atrás, como avançado dos defesas, e à frente, como líbero dos avançados; inflexível a fazer cumprir a lei implacável no processo de recuperaçã­o da bola e brilhante no modo como tantas vezes ilumina os movimentos de aproximaçã­o à baliza – para quem tanto se empenha na luta por todo o espaço defensivo, as suas aparições em lances de golo chegam a ser fantasmagó­ricas.

MF tem a autoridade invisível de

quem chega aos 31 anos sem recriminar os parcos favores da fortuna. Tomou as opções que quis (algumas incompreen­síveis) e ninguém tem o direito de contestála­s; pelo caminho perdeu-se em labirintos de desilusão dos quais nunca foi (nem ele quis ser) resgatado. Fez uma carreira interessan­te mas dela não recebeu em troca o equivalent­e ao potencial revelado como um dos mais excecionai­s jogadores da sua geração. É verdade que nunca se entregou a peregrinaç­ões menores mas também não atingiu, como devia, a grandeza dos colossos europeus e mundiais. Cumpriu a designação de “grande futebolist­a invisível às leis de mercado”, seguindo as sábias palavras de Jorge Valdano, mas acrescento­u-lhe, ele próprio, a incapacida­de para alterar o perfil discreto que o caracteriz­a.

Ao fim de tantos anos longe dos

holofotes, distante dos olhares de quem sempre o admirou, MF recuperou a esperança de ver reconhecid­o o talento pela via mais nobre: a presença na fase final de um Campeonato do Mundo. Vividas mágoas silenciosa­s, alimentada­s por uma gestão de carreira infeliz, para não lhe chamar outra coisa, tem agora a certeza de que o brilho sem consequênc­ias obtido em clubes como Everton, Valencia e Besiktas constituiu indignidad­e não repetida como estrela maior do Lokomotiv Moscovo. MF não retirou da carreira a glória correspond­ente ao talento que possui – faltam-lhe títulos (só foi campeão pelo Benfica), presenças na Champions e nos palcos majestosos das grandes competiçõe­s. A concorrênc­ia é fortíssima e até ao Mundial muito pode ainda acontecer. Certo é que a presença no Rússia’2018 reporia justiça sobre um jogador especial, que merecia mais do que obteve do futebol.

 ??  ??
 ??  ?? Em 2004/05, ao serviço do Benfica, logrou o único título de campeão nacional. Giovanni Trapattoni foi dos primeiros mestres Valência foi um dos destinos mais nobres da carreira. No Mestalla viveu quatro épocas com duas Taças do Rei Ao serviço do...
Em 2004/05, ao serviço do Benfica, logrou o único título de campeão nacional. Giovanni Trapattoni foi dos primeiros mestres Valência foi um dos destinos mais nobres da carreira. No Mestalla viveu quatro épocas com duas Taças do Rei Ao serviço do...
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal