Record (Portugal)

Apostar na formação?

SE QUISER SER SUSTENTÁVE­L, O BENFICA TEM DE APOSTAR EM JOVENS POR SI TRABALHADO­S, MAS PARA GANHAR TAMBÉM É PRECISO INVESTIR EM JOGADORES FEITOS

- Pedro Adão e Silva Professor Universitá­rio

Os números falam por si: a última convocatór­ia para as Seleções jovens mobilizou 30 jogadores do Benfica (sete nos sub21; cinco nos sub-20; seis nos sub-19 e 12 nos sub-17). Neste momento, na equipa principal, são titulares dois jogadores da formação (Rúben Dias e Diogo Gonçalves) e ainda três produtos do scouting (Grimaldo assinou no primeiro ano de sénior; André Almeida tinha 20 anos quando foi contratado e, claro, Svilar). Se a isto somarmos a transição de sucesso para a equipa principal de Renato, Guedes, Lindelöf, Ederson e Nélson Semedo, temos um retrato de uma estratégia que está a dar frutos.

Do ponto de vista económico,

a aposta do Benfica é correta. Um clube português já não pode competir com clubes do norte da Europa. O fosso financeiro agravou-se e jogadores que dão garantias competitiv­as imediatas deixaram de estar ao alcance dos clubes nacionais. Perante este novo contexto, restam três caminhos: formar localmente, contratar jovens talentos de outras paragens, que demorarão a vingar na equipa titular, ou, alternativ­amente, ir buscar jogadores já no ocaso da carreira, que podem dar retorno desportivo imediato, mas que são investimen­tos a fundo perdido.

Além do mais, como demonstram as contas dos clubes –

num exercício que gera muita perplexida­de –, os únicos casos em que os encaixes correspond­em a um valor aproximado ao da venda é, precisamen­te, quando os jogadores vêm da formação. Nas outras situações, há que amortizar o valor da compra do passe e os anos de contrato cumpridos. Um clube português, hoje, está obrigado a formar localmente para garantir a sustentabi­lidade financeira do seu modelo de negócio. Mas, dá-se o caso de o futebol não ser um negócio como os outros. É esse um dos argumentos de Simon Kuper e de Stefan Szymansky no muito recomendáv­el ‘Soccernomi­cs’. Para os autores do livro, o futebol não só é um mau negócio (os clubes apropriam-se de uma percentage­m ínfima do valor que geram em entretenim­ento e a maior parte não gera lucros e não distribui dividendos), como nem sequer é um negócio com dimensão (as receitas do Real Madrid são sensivelme­nte as mesmas da centésima vigésima empresa finlandesa) e, além do mais, os clubes são frequentem­ente mal geridos – com contrataçõ­es baseadas na clubite não há, na verdade, nível de incompetên­cia que não seja tolerado.

Trata-se, é claro, de umextremar de argumentos para sublinhar um paradoxo: quando se procura gerir o futebol como um negócio, não é apenas o sucesso desportivo que fica em risco, também o negócio é afetado.

O que é que isto tem a ver com a aposta na formação? Tudo. O Benfica, se quiser ser sustentáve­l, tem de apostar na formação, da mesma forma que o Benfica, se quiser continuar a vencer, tem de continuar a gastar dinheiro em jogadores feitos, sob pena de deixar de ganhar e, até, da aposta na formação ser ela própria inglória.

AS RECEITAS DO REAL MADRID SÃO AS MESMAS DA 120. ª EMPRESA FINLANDESA...

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