Record (Portugal)

Emails e a grande mentira

O BENFICA, OU ALGUNS QUE LHE SÃO PRÓXIMOS, TECERAM UMA REDE DE AMIZADES VICIADAS QUE TENTAVA ESPREITAR PELO BURACO DA FECHADURA. NÃO É ORIGINAL, MAS É GRAVE. MAS NÃO FOI A DENÚNCIA DO LAMAÇAL QUE GEROU A ATUAL CLASSIFICA­ÇÃO. O FC PORTO LIDERA POR SER MELH

- BRUNO PRATA

Nas três semanas de interregno da liga continuou a ser batalhado o campeonato paralelo em que não se somam ou perdem pontos, mas em que se acumulam contrafaçõ­es e blasfémias. E no meio desta paranoia ciumenta e rancorosa, FC Porto, Sporting e Benfica (pela ordem da classifica­ção) usam, cada vez mais, vultos secundário­s que se confundem com kamikazes obstinados em fazer mil tropelias ao que já foi um adversário e hoje não passa de um vil inimigo que importa combater por todos os meios, legítimos ou não. Nestas escaramuça­s perversas, em que se chega a recorrer a métodos pidescos ou de escolas políticas bolcheviqu­es há muito desacredit­adas, ninguém está totalmente a salvo – até porque é quase impossível encontrar juízes, dirigentes, jornalista­s ou comentador­es bacteriolo­gicamente puros na sua identidade clubística. Mas os algozes malvados que andam aí a pregar a (falsa) virtude não percebem que é impossível chegar a um fim moral por meios imorais. E de pouco adianta avisá-los de que os velhacos se associam, mas jamais se irão honrar e estimar. A asneira, já se sabe, é sempre faladora, mas quem estiver suficiente­mente atento deduz que a imposição de um ruído cada vez mais agudo também se explica pela conveniênc­ia de abafar alguma coisa. Ou será assim tão estapafúrd­io pensar que a publicação do ‘Polvo encarnado’, um livro de escárnio e maldizer, funciona como o êmulo de outras bulas do género surgidas aquando do ‘Apito Dourado’ e que, nalguns casos, também visaram principal- mente desestabil­izar o adversário? Da mesma forma, dá que pensar ver o presidente do Sporting escrever, no seu Facebook, um longo e confuso “Manual para burros” em que cita (mal) pela enésima vez o seu tio-avô e se insurge contra o facto de a guerrilha travada contra os zeladores dos despudorad­os vouchers, cartilhas e emails com a chancela do Benfica estar a ser perturbada pelas insinuaçõe­s de que ele anda a dividir as comissões das transferên­cias com um empresário que dizem ser o seu predileto. Numa coisa Bruno de Carvalho tem toda a razão: deve investigar­se tudo o que houver para investigar e deve fazer-se justiça apenas e se algo se apurar, porque a juridicida­de mediática e, por arrastamen­to, da opinião pública é falaciosa. Mas se eu fosse um dos investigad­ores judiciais iria querer saber por que razão Bruno de Carvalho insiste em dizer que é “fácil demais roubar um clube”. E que me explicasse, tintim por tintim, como é que ele acha que isso pode ser feito.

Mas as situações em que talvez se note mesmo a vontade de acobertar eventuais contravenç­ões, mesmo as puramente éticas, têm vindo de um Benfica enxovalhad­o pelas cartilhas e pelos emails rapinados. É assim que se pode entender a tentativa de responder na mesma moeda, desi- gnadamente através de twitters e outras variantes tão injuriosas e degradante­s como os ataques de que o Benfica se diz vítima. Hoje já não há grandes dúvidas de que o Benfica, ou pelo menos alguns que lhe são próximos ou estavam ao seu serviço, teceram uma rede de amizades viciadas que tentava espreitar pelo buraco da fechadura para conseguir informação que lhe poderia garantir vantagem na arbitragem e na disciplina. Se isso terá implicaçõe­s forenses e/ou desportiva­s é incerto, até porque prová-lo é mais complicado do que enunciá-lo. Não é nada de novo e chega até a soar a jacobice ver o FC Porto e o Sporting fazerem agora papéis de virgens ofendidas. Toda a gente sabe que houve, no passado, situações tão ou mais graves que terminaram em águas de bacalhau. Mas há algo cada vez mais evidente: o Benfica desacertou ao desvaloriz­ar o cenário quando as primeiras broncas estalaram e começou a ficar claro, por exemplo, que o seu ex-diretor de conteúdos da BTV podia estar a usar o email do clube para receber informação confidenci­al de dirigentes ou órgãos da Liga ou da FPF. Se estava de consciênci­a tranquila, o Benfica devia ter repudiado de imediato os episódios e garantido que Pedro Guerra agira apenas por sua conta e risco. Mais do que isso: o acesso aparenteme­nte ilegítimo às auditorias do conselho fiscal da FPF não se devia ter resolvido apenas com a saída de Horácio Piriquito. Mesmo levando em conta que a escolha deste tinha sido responsabi­lidade de Ernesto Ferreira (presidente do órgão), a FPF deveria ter também assumido uma posição pública de censura ou até mais do que isso, isto a par da queixa que fez chegar à PJ e à Procurador­ia-Geral da República. Até por já haver antecedent­es que indiciam uma prática recorrente, designadam­ente quando outro ex-dirigente terá feito chegar a Pedro Guerra as mensagens e restante conteúdo do telemóvel que Fernando Gomes devolveu à Liga de Clubes.

NESTE LAMAÇAL, RECORRESE A MÉTODOS PIDESCOS OU BOLCHEVIQU­ES HÁ MUITO DESACREDIT­ADOS

No meio deste lamaçal, há algo que importa sobrelevar. O FC Porto segue confortáve­l na liderança da liga porque a sua SAD escolheu um bom treinador, porque o plantel portista (embora curto) é melhor do que se dizia e porque Conceição soube montar e dar qualidade a uma equipa que conseguiu a adesão incondicio­nal dos seus adeptos. Da mesma forma, o Sporting segue em segundo porque vem sendo a segunda equipa que melhor joga em Portugal. Finalmente, o Benfica não conseguiu, até agora, melhor do que terceiro posto porque continua a perder qualidade de jogo, tem debilidade­s evidentes e não tira partido da riqueza individual que possui (deixar sair Zivkovic é grotesco), apesar das deserções. Por isso, não nos venham dizer que a história dos emails e seus afins é que estão a fazer diferença. Isso é tão falso como defender que o Benfica ganhou no passado porque João Gabriel disparava contra os árbitros e a concorrênc­ia. Dizer o contrário é cair num logro.

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