Record (Portugal)

O Everest segundo Coentrão

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FÁBIO ACEITOU TESTAR-SE A TODOS OS NÍVEIS, COM O CONFORTO DE TER JORGE JESUS COMO TREINADOR NUMA CARREIRA MARCADA POR ADORNOS SOCIAIS CLAROS, CONFIRMOU OS GENES DE LUTADOR QUE TRAZ DO BERÇO, IMPELIDO PELA DEFESA DA HONRA E PELA VONTADE DE VOLTAR A SER O QUE JÁ FOI: UM DOS MELHORES DEFESAS-ESQUERDOS DO MUNDO

talento, tantas vezes condiciona­do por saúde e físico, está sustentado em fragilidad­es emocionais que se revelam tão sensíveis à depressão e ao abatimento como se deslumbram face à iminência de superação e empolgamen­to. No caso de Fábio Coentrão as lesões tiveram o efeito nefasto de o levar à perda de motivação e, em determinad­o momento, à pungente expressão pública da convicção de que perdera qualidades para jogar num colosso como o Real Madrid. Foi esse jogador desacredit­ado, amargo e descrente que chegou a Alvalade, impulsiona­do pela fé inabalável de uma nova oportunida­de; foi esse homem de futuro incerto que decidiu reescalar o Everest para recu- perar a autoestima, convicto de que só assim poderia reencontra­rse com a glória. Para isso submeteu-se a todos os riscos, um dos quais envergar a camisola do rival de quem o lançou para o topo. Não menos importante, cruzou-se por fim com o clube do coração.

FC trocou um banco de ouro e a

vida cómoda como elemento de um plantel milionário, no qual já não tinha qualquer responsabi­lidade, por um trabalho de exigência máxima, isto numa altura em que parecia ter-se resignado com a derrota pela descida ao fundo da credibilid­ade, da desconfian­ça e da dúvida. Aceitou testar-se a todos os níveis com o conforto de reencontra­r Jorge Jesus, o treinador mais importante da carreira, cujo saber lhe permitiu atingir nível internacio­nal numa tarefa que nem sequer dominava. FC tomou decisão de risco, em nome da paixão pelo jogo; do orgulho como profission­al de futebol; dos sonhos por cumprir e da irreverênc­ia que caracteriz­a personalid­ade entre a inocência e a rebeldia, numa existência sempre marcada por adornos sociais. Confirmou afinal os genes de lutador que traz do berço, impelido pela defesa da honra que o seu passado justifica e pela vontade de voltar a ser o que já foi: um dos melhores defesas-esquerdos do Mundo.

Frente ao Famalicão, FC cumpriu pela primeira vez 90 minutos ao serviço do Sporting, sinal de progressos na capacidade de resposta física. Depois de ouvir os antónimos dos elogios que o cobriram na impression­ante escalada ao ponto mais alto do reconhecim­ento planetário, a luz que emana já não correspond­e ao crepúsculo de um jogador a caminho dos 30 anos mas sim à esperança de vir a reacender a iluminação brilhante e reconhecid­a de quem prestigiou como poucos a função que desempenho­u no Benfica, no Real Madrid e na Seleção Nacional. Neste processo de recuperaçã­o, não podemos esquecer-nos de que, durante duas épocas e meia, discutiu lugar na grande potência merengue, palmo a palmo, com um dos melhores laterais de todos os tempos. Nesse lapso temporal, fez com Marcelo o mesmo que Jorge Valdano diz de Cristiano Ronaldo em relação a Messi nos despiques pela ‘Bola de Ouro’: de cada vez que o brasileiro se distraía ou constipava, era ele o escolhido para a esquerda da defesa.

No final do jogo para a Taça, feliz por mais um passo no longo e sinuoso percurso que se propôs fazer, afirmou estar a competir contra tudo e todos, universo no qual se deve incluir a ele próprio – o combate também é contra os limites que as circunstân­cias lhe criaram. Ao fim de cinco meses de trabalho duro, de muitos avanços mas também de alguns recuos, FC está em fase de aproximaçã­o ao futebolist­a esplendoro­so de outros tempos. Falta-lhe ainda continuida­de, influência e confiança para se afirmar nos moldes a que nos habituou; mas continua a dar indicações de que, em breve, terá capacidade de resposta para garantir presença assídua e sem limitações de qualquer espécie no Sporting – vai ter de apressar-se, agora que Jonathan estará ausente até fevereiro. À distância de seis meses do final da época, não é de excluir a hipótese de que, até lá, seja capaz de construir um cenário propício à presença no Campeonato do Mundo.

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 ??  ?? Já como leão, voltou a ser chamado à Seleção Nacional. Não foi feliz e, na Hungria, lesionou-se. O Mundial continua em aberto
Já como leão, voltou a ser chamado à Seleção Nacional. Não foi feliz e, na Hungria, lesionou-se. O Mundial continua em aberto
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No Real Madrid, chegou a discutir o lugar com Marcelo, muito provavelme­nte o melhor lateralesq­uerdo do Mundo
 ??  ?? Jorge Jesus levou-o ao topo e é, agora que regressou à terra, o mestre que vai tentar devolvê-lo ao ponto mais alto da montanha
Jorge Jesus levou-o ao topo e é, agora que regressou à terra, o mestre que vai tentar devolvê-lo ao ponto mais alto da montanha

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