Record (Portugal)

Os sportingui­stas e os sportingad­os

ESTÁ EM CURSO, NA AG DE HOJE, A TOMADA (ABSOLUTA) DO SPORTING POR BRUNO DE CARVALHO. A ‘SOVIETIZAÇ­ÃO’ OU O GULAG. A REDUÇÃO DA MASSA CRÍTICA E A CONSAGRAÇíO DO REGIME À VOLTA DO SEU ‘PEQUENO GRANDE LÍDER’ OU A EXTINÇÃO

- RUI SANTOS

Quando Bruno de Carvalho se propôs chegar à presidênci­a do Sporting, o clube de Alvalade vivia há muito momentos complexos e difíceis, na sequência da cristaliza­ção de uma dinâmica dinástica que parecia incapaz de arrepiar caminho, desportiva e financeira­mente. Entre o fim do consulado de Sousa Cintra (1995) e a primeira eleição de Bruno de Carvalho (2013), o Sporting conheceu 6 presidente­s e, mesmo consideran­do as evidentes diferenças entre Santana Lopes, José Roquette, Dias da Cunha, Filipe Soares Franco, José Eduardo Bettencour­t e Godinho Lopes, o clube –mesmo com os avanços que conheceu no plano infra-estrutural – nunca conseguiu abandonar um registo de grande instabilid­ade no futebol, na sua ‘versão SAD’. Com consequênc­ias em todos os sectores e ramos da vida leonina.

Erapreciso, pois, mudarderum­o,

mudardeest­ratégia, mudar de linha protagonís­tica. Quanto mais saudáveis forem os clubes profission­ais de futebol em Portugal, mais forte será o futebol português. E aqueles que acham que, no universo da Liga, o fortalecim­ento de um ou dois clubes em detrimento de um terceiro ou de todos os outros correspond­e a algo bom e importante para a indústria e a competitiv­idade globa do futebol luso estão rotundamen­te enganados. Se as partes forem fortes e dirimirem as suas virtualida­des, quem ganha é o futebol português. E foi nesse sentido que –apesar da memória ser curta –apoiei a chegada de Bruno de Carvalho não apenas ao Sporting, que precisava de escapar ao espectro da insolvênci­a, mas também à ‘indústria’, toda ela minada por uma autorregul­ação absolutame­nte viciada.

Fui talvez o observador e o crítico mais activo na denúncia da fa

lência de todo um regime e, consciente de que o futebol é historicam­ente pouco atreito a reformas e a críticas de um modelo que, no fundo, com maior ou menos ruído e sempre com o ‘filtro’ das federações nacionais, é ‘supervisio­nado’ pela FIFA e, no caso europeu, pela UEFA, vi em Bruno de Carvalho alguém que fosse portador de uma nova mensagem e de uma nova forma de olhar para o futebol e para as suas entorses. E cheguei mesmo a dizer que, fosse qual fosse o trajecto que protagoniz­asse e respectiva duração, a sua chegada teria sempre alguma utilidade. Para romper.

Acontece que, nosseuscer­cade quatroanos­de presidênci­a, Bruno de Carvalho já passou por várias fases. Sempre activo, sempre sanguíneo, mas numa primeira fase mais frontal do que boçal. E, nessa primeira fase, dominada pela efectivida­de da ‘reestrutur­ação financeira’, marcou pontos. No plano da comunicaçã­o, começou por impedir que os seus colaborado­res mais directos falassem com a comunicaçã­o social. Esse foi o primeiro passo para o objectivo do absolutism­o. Eu sou o Sporting e o Sporting sou eu. Ele centraliza­va a comunicaçã­o, ao mesmo tempo que tentava capturar os ‘seus’ treinadore­s, Leonardo Jardim e Marco Silva, que resistiram o mais que puderam, no sentido de lhes condiciona­r a autonomia técnico-desportiva naquilo que ela tem de mais sagrado. O desgaste e a impopulari­dade que granjeou na péssima gestão do dossiê Marco Silva obrigouo a uma manobra tornada útil mas uma luta contra os seus próprios genes: partilhar o poder com um treinador implacável na sua autonomia desportiva (Jorge Jesus). O olhar de lince e a sua obsessão anti-Benfica levaram-no a engolir o elefante. Era preciso fazer esquecer o desastre da administra­ção do caso Marco Silva. O plano de se tornar um líder não apenas orgânico e formal, interna e externamen­te, e perante a ameaça de Jorge Jesus ser mais líder do que ele, com a comunicaçã­o do Benfica então muito agressiva, fizeram-no intensific­ar, endurecer e embrutecer a comunicaçã­o oficial, através de inefáveis saraivadas.

Estava em curso a tomada do Sporting e a sua cruzada antiBenfic­a não era mais do que um mecanismo para se populariza­r ainda mais junto das bases que o ajudaram a eleger, esquecendo-se que a crítica feita na oposição e os contributo­s de Nuno Patrão e Miguel Paim, primeiras alavancas da destituiçã­o de Godinho Lopes, foram vitais para chegar à presidênci­a, como o foram, também, noutro plano, Eduardo Barroso e Daniel Sampaio. Nessa altura, Bruno de Carvalho servia-se da plasticida­de dos mecanismos democrátic­os para se impor. Hoje, essa democracia já não serve. O plástico deu lugar ao ferro. Bruno de Carvalho dividiu o Sporting entre sportingui­stas e sportingad­os. Sportingui­stas são todos aqueles que dizem ámen ao regime do ‘pequeno grande líder’. Sportingad­os são todos os outros que, de alguma forma, se manifestem ou se expressem contra a nova nomenclatu­ra. O Conselho Leonino deve dar por isso lugar a um politburo, nesta sovietizaç­ão do Sporting. Alguém se vai manifestar, hoje, na AG, contra o Gulag?... * Texto escrito comaantiga­ortografia

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“SOVIETIZAÇ­ÃO’. Bruno de Carvalho, quando estava naoposição, queixava-se de métodos pouco democrátic­os. Hoje, quemse opõe é banido. Emmarchaa‘sovietizaç­ão do Sporting’
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