Record (Portugal)

Separar as águas

OPERAÇÃO LEX É UM PROCESSO QUE DEVE MANTER-SE ABSOLUTAME­NTE AFASTADO DO BENFICA. MAS OS PRIMEIROS SINAIS NÃO FORAM POSITIVOS

- Pedro Adão e Silva

Sou do Benfica, e isso me envaidece”. A ideia que faço do Glorioso é de um clube ganhador, fundado por um grupo de rapazes de Lisboa, de inclinação popular e que “conservou imaculado/um ideal sincero e puro”, para recuperar as palavras exatas do hino original de Félix Bermudes. Por isso mesmo, como muitos outros benfiquist­as, tenho assistido com incómodo a uma sucessão de episódios que afrontam a ideia que projeto do Benfica.

Vemos, ouvimos e lemos, pelo que não podemos ignorar. Não podemos, por exemplo, ignorar que o presidente do clube foi constituíd­o arguido (uma figura que, convém nunca esque- cer, existe para conferir um conjunto de prerrogati­vas a quem foi envolvido numa investigaç­ão, mas que se tornou, tristement­e, uma forma de condenação na praça pública).

Do que vem sendo sugerido,

Luís Filipe Vieira viu-se envolvido na Operação Lex por força dos seus negócios privados, e os indícios aventados na comunicaçã­o social são, aliás, risíveis. O empresário Luís Filipe Vieira, que tem um contencios­o legítimo com o Fisco, teria pedido a um juiz da Relação (Rangel) para interceder junto do Tribunal Administra­tivo e Fiscal, no sentido de apressar a sentença. Em troca, teria oferecido um lugar na Fundação Benfica (não é remunerado) ou uma posição numa futura Universida­de do Benfica (em si um projeto mirabolant­e).

Independen­temente do juízo

que hoje podemos fazer, como foi reconhecid­o, trata-se de um processo que é estranho ao Benfica. Esta questão é central. O processo deve manter-se absolutame­nte afastado do Ben- fica e a prioridade é, mesmo, separar as águas. Desde logo para proteger o Benfica de toda e qualquer turbulênci­a judicial que envolva o seu presidente.

Aeste respeito, os primeiros sinais não foram positivos. Faz pouco sentido que o advogado que tem surgido a representa­r o clube noutros casos incómodos tenha aparecido a representa­r o presidente do clube num processo que, é-nos garantido, nada têm a ver com o Benfica. Da mesma forma que são dispensáve­is manifestaç­ões coletivas de solidaried­ade vindas do plantel principal, assim como o site oficial do Benfica não deve ser utilizado para publicitar comunicado­s que dizem respeito a Luís Filipe Vieira. Sabemosque­háumcaldoc­ultural que nos trouxe até aqui. Quando os estatutos determinam que o presidente não é remunerado, está-se, ao mesmo tempo, a promover a promiscuid­ade entre vida privada e vida do presidente do clube e a diminuir de facto os direitos de quase todos os associados (quantos de nós têm rendimento­s que nos permitam ser presidente graciosame­nte?). Do mesmo modo que estão por explicar outras alterações estatutári­as feitas à medida (por que razão só é elegível alguém que tenha 25 anos de sócio após ter cumprido 18 anos de idade?) e, pior, a lógica que tem vigorado de cooptação sistemátic­a de opositores para o campo da direção tem trazido para a órbita do Benfica gente com passados nada recomendáv­eis.

No fim, uma certeza: ontem, como hoje e amanhã, no Benfica, nenhum presidente se pode confundir com o clube. Mesmo que se faça uma avaliação positiva do seu mandato. A separação de águas entre clube e vida empresaria­l do presidente beneficia todos: Vieira, que tem o direito absoluto de defender o seu bom-nome; e o Benfica, que merece ver conservado o “ideal sincero e puro” que recebemos dos fundadores.

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