Record (Portugal)

Vamos brincar às denúncias

- Sérgio Krithinas Editor

É FÁCIL ACUSAR ALGUÉM, MESMO SEM NENHUMA PROVA. PODE ACONTECER A QUALQUER UM DE NÓS VAGNER É A MAIS RECENTE VÍTIMA DE QUEIXAS ANÓNIMAS NA PGR. MUITO PROVAVELME­NTE, ESTA IRÁ DIRETAMENT­E PARA O LIXO MAS CRIA-SE UMA SUSPEIÇÃO QUE AFETA O PRÓPRIO JOGADOR

Há quem se queixe da reduzida dimensão de alguns campos da Liga NOS, mas o futebol português tem esta capacidade fantástica de se jogar em todo o lado. É no relvado, mas também nas instâncias de poder disciplina­r, nas máquinas de propaganda e, como novidade da época 2017/18, na justiça civil. Alguém percebeu que há um site criado pela Procurador­ia-Geral da República (PGR) onde se podem fazer denúncias de atos de corrupção e fraudes. Tudo à distância de meia dúzia de cliques, tudo (se quiser) sob anonimato. Foi o que aconteceu no caso de Vagner e já tinha acontecido com Kléber, do Estoril.

Não imagino o que faz o De

partamento Central de Investigaç­ão e Ação Penal (DCIAP) quando recebe um email anóni- mo a dizer que o jogador ‘X’ recebeu determinad­a verba para facilitar num jogo. Sobretudo se tudo for comunicado depois dessa partida, em que é fácil identifica­r o alvo (o guarda-redes que dá um frango, um central que faz penálti, um avançado que falha golos... É só escolher). Dito assim, como se fosse conversa de café ao fim de meia dúzia de minis, parece-me que o destino normal será o lixo.

Mas há algo que acaba por nunca ir direito ao lixo: a perceção da opinião pública ao tomar conhecimen­to da existência destas denúncias. Sobretudo num meio como o futebol, em que as cores – sejam elas quais forem – cegam qualquer tipo de razão. Haverá muita gente suspeitar que Vagner tenha falhado de propósito para dar o segundo golo ao FC Porto. Se até já houve uma denúncia e tudo... E ninguém quererá saber das defesas que fez, ou da forma empenhada como contestou junto do árbitro a irregulari­dade de Sérgio Oliveira no penálti que daria o 3-0 ao FC Porto, mostrando vontade de ganhar e dedicação ao emblema que lhe paga. Não conheço Vagner de lado nenhum e nunca falei com ele, não sei se é um tipo sério ou não, mas de uma coisa tenho a certeza: a denúncia de que foi alvo não tem pés nem cabeça.

Este sentimento de suspeição

tem, depois, a pior consequênc­ia de todas: afeta, obrigatori­amente, os jogadores. Por muito que tenham a consciênci­a tranquila e saibam que estão a ser vítimas de uma pulhice, será inevitável que carreguem no subconscie­nte esse estigma para dentro de campo. O medo de errar será necessaria­mente maior e, em futebol, ter medo de errar é meio caminho andado para errar mesmo.

A única boa notícia é que,

como tudo, esta será uma moda passageira. De tanto se banalizare­m estas denúncias anónimas, não tarda muito para que ninguém as leve a sério. Primeiro foi Kléber, depois Vagner, depois será outro jogador qualquer e talvez um dia possa ser qualquer um de nós. Porquê? Porque sim. Parece que isso basta para que, sob anonimato, alguém possa acusar outra pessoa de cometer um crime tão grave como o de corrupção.

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