Record (Portugal)

A toupeira escancarad­a (parte I)

NÃO SEI SE TODAS AS MANOBRAS CONHECIDAS TIVERAM OU NÃO IMPACTO SOBRE A VERDADE DESPORTIVA, MAS SEI QUE O BENFICA DECIDIU JOGAR COM REGRAS DIFERENTES DOS RESTANTES CLUBES

- Carlos Barbosa da Cruz Advogado

Esta operação E-toupeira, tem algumas semelhança­s com a Operação Marquês, que envolve o ex-primeiro ministro José Sócrates. Em dois aspetos. O primeiro pode definir-se como o do descrédito ético.

Não sei se José Sócrates vai ser

condenado pela prática dos crimes de que o acusam; utilizando linguagem desportiva, dir-se-á que ainda há muito jogo para jogar e que o resultado está em aberto. Mas se do ponto de vista jurídico ainda podem subsistir dúvidas, no plano ético é inquestion­ável que a maioria das pessoas já fez os seus juízos.

Com efeito, a publicação das escutas relativas a José Sócrates, de alguma forma, torna difícil de conciliar as teses do di- nheiro do amigo, da pobreza patrimonia­l e da perseguiçã­o contra a sua pessoa.

Ou seja, a prática de um ato de

legalidade discutível ( embora para mim não seja), como a divulgação das escutas, permitiu ao cidadão comum ocupar um lugar nos bastidores e perceber o quanto é encenação e a distância que a separa da versão que o próprio reiteradam­ente sustenta.

O conhecimen­to da verdade

permitiu a cada um extrair as suas conclusões éticas, quanto ao caráter e idoneidade do visado. ‘Mutatis mutandis’, o mesmo se passa com o Benfica.

Pode questionar-se o ato que permitiu ter acesso à correspond­ência eletrónica, mas não se pode proibir obviamente o juízo que, a partir do conhecimen­to da mesma, as pessoas façam.

Aqui também não se sabe se o Benfica, os seus dirigentes e representa­ntes serão condenados, à luz do Direito; mas no tribunal da opinião pública já há matéria abundante, que permite um veredicto.

Asensação que dá é que o Benfica, de algum modo, enterrou o fair play.

Não sei se todas as manobras que agora são trazidas à luz, tiveram ou não impacto sobre a verdade desportiva; sei, sim, que este novo ‘modus operandi’, esta queda por circuitos paralelos e ocultos, mostra que o Benfica decidiu jogar com regras diferentes dos restantes clubes. O que não quadra muito bem com uma instituiçã­o que beneficia do estatuto de utilidade pública.

Como Sócrates, bem pode o Benfica proclamar a sua inocência, bem pode lastimar-se de ser vítima e não culpado, bem pode arvorar-se em mártir de violação do segredo de justiça e da devassa informátic­a; só que esse discurso não preclude aquilo que as pessoas já ficaram a conhecer, e, tal como Sócrates, é tarefa bem difícil fintar a realidade.

Perante isto, o branqueame­nto do comportame­nto de Paulo Gonçalves é como a história do amigo do peito, que empresta dinheiro a José Sócrates; já não convence ninguém.

O CONHECIMEN­TO DA VERDADE PERMITE A CADA UM TIRAR AS SUAS CONCLUSÕES ÉTICAS

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