Record (Portugal)

B ou não B, eis a questão

EM NOME DA CRIAÇÃO DE UMA COMPETIÇÃO DE MÉRITO INCERTO, COMO O CAMPEONATO SUB-23, PROMOVE-SE O FIM DE UMA HISTÓRIA DE SUCESSO

- Pedro Adão e Silva Professor Universitá­rio

Uma das especialid­ades nacionais mais populares é a destruição de valor. Pega-se no que está a funcionar e trata-se de mudar tudo. A proposta de criação de um campeonato de sub- 23, e, acima de tudo, o desinvesti­mento nas equipas B que daí decorre, é disto exemplo.

Verdade que não vemmalao

Mundo se for criada mais uma competição de formação. Só que também não se vislumbra nenhuma vantagem e o exemplo inglês que é bastas vezes referido não só não tem paralelism­os em Portugal, como está longe de estar demonstrad­o que o campeonato sub-23 seja a explicação para o sucesso recente das seleções jovens inglesas.

Pior mesmo é a criação desta

competição pressupor, de facto, o definhamen­to das equipas B. Ou seja, em nome da criação de uma competição de mérito incerto promove-se o fim de uma história de sucesso com alcance estratégic­o para o futebol português, do ponto de visto financeiro e desportivo.

Vale a pena recordar os núme

ros: o presidente da Liga valorou em 375 milhões de euros a receita das vendas de jogadores que desde 2012 atuaram em equipas B, e o rol de atletas que vingaram por força das suas passagens por estas formações é notável. Uns afirmaram-se nas equipas A e noutras equipas da 1.ª Liga, outros passaram das B para uma carreira internacio­nal de sucesso (infelizmen­te, o Benfica lidera neste item, com os tristes casos de Cancelo, Hélder Costa e, acima de tudo, Bernardo Silva). Mais, de acordo com dados do analista de futebol português, Jan Hagen, nove dos 23 campeões europeus jogaram em equipas B; o mesmo sendo verdade para 20 dos selecionad­os do último Mundial de sub-20. Sintomatic­amente, a Seleção sub-21, depois de ter falhado três vezes consecutiv­as a qualificaç­ão para o Euro, esteve invencível de outubro de 2011 a junho de 2017.

A explicação parece simples: a 2.ª Liga expõe os jovens talentos a desafios exigentes, bem distintos daqueles que teriam se continuass­em o percurso competitiv­o apenas com jogadores da mesma idade. É, aliás, isso que tem permitido a muitos jogadores saltarem etapas na formação, ganhando maturidade e ficando mais preparados para vingar nas equipas principais.

A 2.ª LIGA TORNOU POSSÍVEL A AFIRMAÇÃO DE SEMEDO, GUEDES, LINDELÖF E RÚBEN DIAS

O caso do Benfica–que é o que mais interessa– é exemplar. A combinação da exposição mediática a que foram sujeitos os jogadores da formação (com os jogos da B a serem transmitid­os pela BTV) com os desafios competitiv­os da 2.ª Liga tornaram possível a afirmação de Nélson Semedo, Guedes, Lindelöfe Rúben Dias, para ficarmos só pelo último ano. De tal forma que esta aposta se tornou o eixo central do modelo de negócio do clube (centenas de milhões de euros de receitas), com ótimos resultados desportivo­s.

Que outros clubes ponderem pôr fim às suas equipas B, num contexto de restrição aos empréstimo­s, é um erro colossal; que a Federação aposte nos sub-23 em lugar de promover a entrada de várias equipas B nos escalões competitiv­os adequados à realidade de cada clube, é um equívoco estratégic­o; que o Benfica pondere sequer pôr fim ao projeto da equipa B, é inexplicáv­el.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal