Os penáltis que dão e tiram troféus
Quando decidimos suscitar em Portugal a discussão em torno da introdução das novas tecnologias e do vídeo-árbitro no futebol, através do movimento ‘Pela Verdade Desportiva’, tínhamos a certeza de três coisas:
1. Da inevitabilidade da adopção desse mecanismo anívelinternacio nal(erau ma questão de tempo ); 2. Dos benefícios que, genericamente, essa medida ia trazer ao futebol;
3. Da manutenção do clima de discussão em torno das arbitragens, embora numa escala diferente. Apesar dasensibilização que tentámos fazer e da mobilização que foi conseguida (levámos a FPF, a Liga e representantes de diversos agentes desportivos à Assembleia da República), confesso que não esperava a ‘jogada de antecipação’ realizada por Fernando Gomes e Tiago Craveiro, a partir da Cidade do Futebol. Admitia que o movimento fosse de fora para dentro e não de dentro para fora, embora tenha a certeza de que as boas relações entre esta FPF e Gianni Infantino, hoje presidente da FIFA, concorreram em muito para que o processo decorresse com maior desenvoltura.
É minha convicção também, neste passo:
1. Que o Mundial na Rússia, o primeiro com VAR, vai ajudar a combater as últimas resistências junto da UEFA, acossada agora com o que aconteceu no recente Real Madrid-Juventus;
2. Que Portugal, correndo o risco de gerar internamente algumas controvérsias por se ter prestado ao papel de ‘cobaia’, vai capitalizar para si próprio o facto de ter antecipado o ‘pontapé de saída’, num processo mais ou menos inelutável, mas que poderia ficar em banhomaria por tempo indeterminado.
O‘ano0’ do V AR em Portugal foi motivado pelo clima insustentável que dura há muito no futebol português, agudizado com a revelação feita pelo FC Porto de um conjunto de emails a colocar em causa a forma como o Benfica chegava às vitórias: alegadamente, não apenas pelo mérito desportivo, mas também por um conjunto de alavancas conseguidas fora das quatro linhas, através de meios que podem ou não configurar crime(s).
O ruí dona arbitragem continuou, mas com uma pequena diferença: sendo certo que os vídeo-árbitrossão-árbitros, a discussão passou dos árbitros para os vídeo-árbitros- que-são-árbitros. Isso teve pelo menos um efeito: a discussão, em pouco tempo, deixou de estar focada nos árbitros visados pelo FC Porto (Nuno Almeida, Manuel Mota, Bruno Esteves e Vasco Santos, se se contar apenas com aqueles que ainda estão em actividade e na primeira categoria) e ficou centrada nas desconformidades encontradas, jornada a jornada, na aplicação do novo sistema-VAR.
O que fez o Conselho de Arbitragem, sob a tutela de José Fonte las Gomes? Resguardou o que pôde aqueles árbitros nas primeiras jornadas do campeonato, provavelmente à espera de desenvolvimentos em sede disciplinar, mas porque a CII tardou a intervir e porque, afinal, os emails não podiam servir, por si só, para manter aqueles árbitros no ‘cativeiro’, mudou a lógica das nomeações: mais oportunidades para todos, num apelo à responsabilização. Os árbitros sabem que o escrutínio aumentou muito nestas últimas duas épocas, particularmente nesta que está
COM VAR E SEM VAR, HÁ LANCES DE INTERPRETAÇÃO QUE VÃO CONTINUAR A MARCAR OS JOGOS, COMO ACONTECEU, RECENTEMENTE, NO REAL MADRID-JUVENTUS E NO… V. SETÚBAL-BENFICA
em curso. Não apenas porque existe VAR (neste particular, há que gerir rivalidades, superioridades de carreira, etc.), mas porque a comunicação social deu estatuto analítico a ex-árbitros e as televisões passaram a exibir as imagens em bruto de todas as câmaras, o que anteriormente não era possível.
Querdizer: muita coisa mudou, mas não, ainda, o essencial. O protocolo do VAR tem de ser melhorado e as classificações deveriam ser atribuídas à equipa de arbitragem no seu todo (incluindo VAR) e não isoladamente, num apelo ao melhor desempenho colectivo possível, em nome da protecção das leis do jogo e da verdade desportiva.
Há coisas que, no entanto, nunca vão mudar: os lances de interpretação, designadamente nas jogadas ocorridas nas respectivas áreas, susceptíveis de poderem darlugarà marcação de pontapés de penálti. Tivemos recentemente dois casos bemimpres si vos, que muita tinta fizeram correr, umàesca la mundial
(Real-Madrid-Juventus) e outro no nosso areópago( V. Setúbal- Benfica ). Ocaso de Madrid foi particularmente impactan te, porque aJuventusco metera a proeza de recuperar de umadesvantagem de três golos (algo que parecia uma missão impossível ), e, nos últimos instantes do tempo extra, o árbitro inglês Michael Oliver assinalou uma grande penalidade contra aJuventus,n um daqueles lances emque não háuma falta absolutamente indiscutível. Ela pode ser reclamada, ela pode ter até existido( em rigor ), mas, repito, não é umadaquelas decisões que deixatodaagente convencida. O mesmo aconteceu no Bonfim,no V. Setúbal-Benfica. O jogo caminhava parao seu finale Luís Godinho, num lance de interpretação, também decidiu mar caruma grande penalidade, decisiva para o desfecho do encontro. São os tais penáltis que dão e tiram troféus. Comou semVAR. O que significa que oVAR é umavanço,tem boa margempara aperfeiçoamento, mas nunca vai ‘resolver’ tudo. Como já se sabia.
*Textoescritocomaantigaortografia