Record (Portugal)

A ‘pega’ com Couto e a tristeza por Neno

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NOS JOGOS GRANDES, COMO O DE HOJE NA LUZ, PODE ACONTECER TUDO. DESDE SENTIRMOS ÓDIO POR PARTE DE UM AMIGO, COMO FICARMOS TRISTES PELA MÁ EXIBIÇÃO DE UM ADVERSÁRIO... TAMBÉM AMIGO

da do campeonato, Portugal também ia parar, era dia de grande clássico entre Benfica e FC Porto. Os dragões tinham dois pontos de vantagem sobre as águias, eu era o n.º 10 dos encarnados e o meu amigo íntimo Fernando Couto era o 5 dos azuis e brancos, quando o árbitro apitou para o início da partida. Sabia que ia ser uma batalha enorme, mas nunca podia imaginar o que ia acontecer. Nos primeiros minutos sofro uma falta dura e fico no chão a queixar-me e al- guém mete a boca perto do meu ouvido e diz-me “Filho da..., vou-te matar c..., vais-te levantar desta vez porque não fui eu que fiz a falta, quando eu fizer, não te vais levantar mais filho da...”. Quando voltei a cara e vi que era o Fernando Couto, fiquei estupefact­o, mas levantei-me rápido, fui direito a ele e disse: “Sabes com quem estás a falar c... filho...”; e ele, cego, diz: “Contigo filho da...”.

E estivemos ambos assim, de insulto a insulto, até ao final do jogo que finalizou 0-0. Foram 90 minutos de ódio e nem nos cumpriment­ámos no fim. Dois dias depois entrávamos em estágio com a Seleção para o jogo com a Escócia. Tínhamos de estar no hotel depois de jantar e fui direto ao meu quarto. Perto das 23 horas batem à porta, pensava que era o roupeiro com o saco da roupa e nem perguntei quem era e abri. Assusteime, à minha frente estava o Fernando, a olhar para mim seriamente. Quando me preparava para dizer-lhe que o jogo já tinha terminado, ele diz-me: “Perdoame Paulinho, perdoa-me amigo, dá-me um abraço amigo, vi-te com a águia ao peito e fiquei completame­nte cego”. Respondi-lhe: “Sabes por que é que continuo chateado contigo? Porque não consegui dar-te um túnel”. Desatámos a rir, demos um abraço e não falámos mais daquela batalha.

Vários anos antes, na final da Supertaça entre o FC Porto e Benfica de 1986, era o 10 dos dragões. Naquela altura era a duas mãos, a primeira foi no Estádio das Antas e empatámos 1-1 e nos 18 anos em que fui profis- sional nunca senti nada igual como naquela noite em Lisboa, no jogo da segunda mão. No final dos 90 minutos estava superfeliz e ao mesmo tempo muito triste. Estava contente porque tínhamos ganho na Luz por 4-2. Éramos campeões e tinha feito um jogo excelente (dois golos e uma assistênci­a). Mas, por outro lado, sentia-me triste porque o meu querido amigo, companheir­o da Seleção e uma das melhores pessoas que conheci neste mundo do futebol era o guarda-redes do Benfica. Estou a falar do grande Neno, que naquele dia teve uma noite infeliz.

Não tenho dúvidas: se o Fernando Couto estivesse numa equipa pequena, quando me insultou pela primeira vez, não lhe dava troco, nem sequer olhava para ele e nem recordava o que tinha acontecido. E com o Neno seria igual. Se fosse guarda-redes de um clube pequeno e não do Benfica, sabia que ia ser pouco criticado e não tinha sentido aquela mistura de sentimento­s. Se hoje ainda recordo perfeitame­nte estas histórias, é porque acontecera­m em jogos com uma magnitude mediática brutal. Como estas tenho muitas outras que nunca se apagaram da minha mente, mas quase todas acontecera­m em momentos muito especiais como em finais, dérbis ou clássicos como o desta tarde na Luz. Estes são os chamados jogos da verdade e que podem marcar um jogador para sempre. Chamo-lhes ‘jogos eternos’.

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