Record (Portugal)

Quem me abona?

- Carlos Barbosa da Cruz Advogado

Agora que os bancos – pelo menos os portuguese­s – deixaram de ter dinheiro para o futebol, que claramente não há investidor­es para posições minoritári­as nas SAD, o recurso ao mercado é o único instrument­o para os clubes se financiare­m. Esta elementar constataçã­o aconselhar­ia a que as SAD, para além dos deveres que, como sociedades abertas, sobre elas impendem, tivessem com o mercado financeiro uma relação de absoluta transparên­cia.

Se eu sou dependente, mesmo

que não goste, tenho de tratar bem aqueles de quem dependo. Parece, porém, que no caso do Sporting não é assim. Em março de 2015, com a recuperaçã­o de passes de alguns jogadores ao fundo ESAF, deu-se a enten- der que havia um investidor de 18 milhões na SAD; três anos depois, descobre-se que não houve investidor, era dinheiro emprestado pelo Novo Banco. Por outras palavras, o mercado andou enganado durante esse período, porque a SAD não o informou quando e como devia. Agora o Sporting tem de reembolsar um empréstimo obrigacion­ista de 30 milhões e, aparenteme­nte, não tem dinheiro para o fazer.

O que faz a SAD? Com a maior candura, produz um comunicado em que dá conta das referidas necessidad­es financeira­s para pagar o empréstimo de 2015 e para necessidad­es de tesouraria, mas imputando as culpas da desesta- bilização da situação a uns “terceiros”, que se manifestar­am publicamen­te pela necessidad­e de assembleia geral do clube e assembleia de acionistas da SAD.

Uma sociedade com ações co- tadas, como é a SAD Sporting, não pode produzir este tipo de afirmações, porque pura e simplesmen­te não são sérias. Quanto mais não seja por duas razões: quem desencadeo­u o processo de sacudida turbulênci­a que o Sporting atravessa foi o seu presidente.

Segundo os tais “terceiros”, alegados fautores da crise, foram o presidente da assembleia geral do clube e o maior acionista da SAD, fora do universo Sporting, legitimame­nte preocupado­s com a situação. A SAD entendeu dar uma boleia ao seu presidente, entalado que estava – e está – com as consequênc­ias dos seus irrefletid­os atos, esses sim, com impacto negativo sobre os ativos da empresa.

A SAD DEU BOLEIA AO PRESIDENTE, ENTALADO COM AS CONSEQUÊNC­IAS DE IRREFLETID­OS ATOS O SPORTING TEM DE REEMBOLSAR UM EMPRÉSTIMO OBRIGACION­ISTA DE 30 MILHÕES DE EUROS E, APARENTEME­NTE, NÃO TEM DINHEIRO PARA O FAZER

Só que misturar política e conveniênc­ias pessoais com negócios dá sempre mau resultado. E o resultado foi o de mistificar a informação devida ao mercado. O assunto, pela sua importânci­a e repercussõ­es, devia ter sido tratado de outro modo, com profission­alismo e independên­cia.

Convencer o mercado, que se maltrata desta maneira, a emprestar dinheiro a quem não tem condições para pagar as suas dívidas e ficar ainda com trocos para a tesouraria, nesta altura de plena crise institucio­nal, vai ser uma árdua tarefa.

Talvez conviesse ter pensado nisso antes de desabafar no Facebook.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal