O herói que prescindiu da ciência
JP É A PROVA DE QUE TODAS AS OPÇÕES JÁ CONHECERAM A GLÓRIA NA CENTENÁRIA HISTÓRIA DO JOGO
Trazia a simplicidade estampada no rosto, a clareza no discurso articulado e a autenticidade na pronúncia nortenha; homem de verdades simples e senso comum, não se deixou seduzir pela gradual cientificação do futebol, cujos alicerces nunca entendeu e de cujo sucesso sempre desconfiou. Cedo tomou a decisão de apostar naquilo que aprendeu dos mestres com quem se cruzou ao longo da vida, nos valores futebolísticos que domina e nas opções de trabalho em que acredita convictamente. Jaime Pacheco é um eterno apaixonado pelo jogo, para quem a vida só fará sentido enquanto lhe for consentido dar pontapés na bola entre amigos, razão pela qual quando abraçou a carreira de treinador jamais deixou de ser e pensar como o futebolista que sempre será.
O seu sucesso, o maior dos quais o título de campeão ao serviço do Boavista, no início do século XXI, prova que todas a opções ideológicas, táticas, estéticas e de trabalho já conheceram o êxito, a felicidade, a eficácia e a glória na centenária e multifacetada história do futebol. JP é a prova de que não existe uma só forma de treinar e jogar para atingir os objetivos e conquistar o reconhecimento. O importante, mesmo numa altura em que se consensualiza a ideia de que o empirismo deve ser completado com saber académico, é que o treinador proponha umaorientação para determinado fim e que a equipa aceite convictamente o projeto; que saiba interpretá-lo e concretizar as decisões estruturais à custa da máxima expressão do talento individual, ainda que sempre subordinado à assimilação coletiva das traves mestras do guião. JP assumiu a profissão seguindo os ensinamentos da escola onde se formou e mais enriqueceu o disco rígido do pensamento: a do FC Porto, de José Maria Pedroto, definida pela necessidade de formar grupos unidos e comprometidos com a bandeira que defendem e também pela plasticidade de um futebol de toque e procura do espaço. A esses princípios, JP introduziu uma relevância maior da componente física; a imperiosa necessidade de formar exércitos destemidos e sem reservas, como se de cada jogo dependesse a felicidade, às vezes a própria vida, de todo um povo.
O assombroso título do Boavista, em 2000/01, no culminar de um crescente processo de credibilização axadrezada como potência do futebol português, não foi bem assimilado, muito menos reconhecido, por adversários e até alguns especialistas – onde havia compromisso, disponibilidade, luta por um sonho e competência na gestão de armas menos poderosas, houve quem só registasse agressividade excessiva, proteção arbitral e repressão tática sem sentido. Passados alguns anos da extraordinária conquista, JP resumiu a ideia numa frase em que procurava sintetizar as reservas do país perante o excecional feito: “O Boavista campeão foi mau para o negócio.” E ninguém o desmentiu. *