Record (Portugal)

“TIREI DO MEU PRESIDENTE-ADEPTO O MELHOR QUE ELE TINHA”

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Jesus pode não ir à final da Taça porque perdeu o último jogo do campeonato. Asituação chocao?

JM – Choca, mas é a nossa vida. Eu fui despedido uns meses depois de ter sido campeão. O Ranieri também. É o Mundo em que vivemos. Se o caso do Sporting acaba por ser supermediá­tico no nosso país pelo modo ‘sui generis’ como o clube está a ser gerido – não sou ninguém para criticar –, é um facto que há uma liderança ‘sui generis’ através do Dr. Bruno de Carvalho.

Bruno de Carvalho defende que o presidente do futuro é o presidente-adepto como ele. Tem essa visão?

JM – Depende das culturas. Em Inglaterra, os presidente­s são os donos, os presidente­s. Por exemplo, o presidente do futuro no meu clube é o presidente que vive em Boston (EUA). Os outros em Los Angeles. E a gestão é feita pelo que vive em Boston, por um CEO e por mim. Em Inglaterra, a maioria dos clubes estão assim ou para lá caminham. Até no Championsh­ip (2ª Liga), que está a ser cada vez mais um foco de investimen­to, os clubes são pura e simplesmen­te negócios. Portanto, o presidente-adepto no futebol inglês já não existe.

E faz sentido existir em Portugal?

JM – Gostava que o presidente do meu clube, o Vitória de Setúbal, e toda a gente que lá trabalhass­e gostasse tanto do Vitória como eu. Mas se me disserem que o presidente do Vitória é um gestor fantástico que, independen­temente de não ser do clube, nos vai pôr no caminho do desenvolvi­mento e da estabilida­de, eu digo que o quero já! E gosto mais do Vitória do que de futebol [risos]. Vejo as coisas com esse pragmatism­o. O que significa o presidente­adepto? Ser um grande profission­al, além de ter formação académica para gerir um clube de forma eficaz, e que para além disto veste a camisola porque é do clube desde pequenino? Prefiro, claro!

Mas não tenderá a tomar decisões apaixonada­s e mais com o coração do que com a cabeça?

JM – Já não prefiro! A experiênci­a terá de ajudar a encontrar um ponto de equilíbrio.

Expoente máximo o episódio que ocorreu no Sporting com o presidente a acusar os jogadores e a avançar com processos disciplina­res. Isto não é o lado absurdo do presidente adepto?

JM – Honestamen­te, a informação que consigo captar – não tenho a oportunida­de de acompanhar tudo detalhadam­ente – não me permite colocar nessa situação de análise. Saí de Portugal em 2004 e desde então tive todas as experiênci­as possíveis e imaginária­s. Tive o clube com dono russo que tinha chegado ao futebol há meia dúzia de dias; tive o gigante Real Madrid com um presidente eleito pelos sócios donos do clube, um clube à moda antiga; tive o Inter com um presidente-dono-adepto.

Foi fácil lidar com ele?

JM – Foi, e lidei com ele se calhar como nenhum treinador anterior tinha lidado. Talvez por isso consegui retirar do presidente-adepto o melhor que ele tinha para dar e o presidente-adepto não esconde que nunca foi tão bom presidente do que nos dois anos que esteve comigo. Conseguimo­s encontrar um ponto de equilíbrio onde o senhor Moratti tinha de mostrar que era presidente-adepto nalgumas vertentes e noutras teria de mostrar que havia coisas que eram minhas e que outras eram exclusivam­ente dele.

Como por exemplo?

JM – O investimen­to. O dinheiro era dele. Os jogadores escolho eu, mas o senhor paga. Não vou comprar os jogadores que o senhor quer, mas não vou comprar aqueles que não quer. Tem de haver comunicaçã­o, empatia, explicação, respeito.

E que linhas vermelhas foram traçadas nessa relação? O presidente pode ir ao balneário dar palestras, pode sentar-se no banco? JM – Presidente-adepto gosta de estar no balneário? Fantástico. Mas… aqui falo eu! Tenho uma situação oposta com um dos donos do Manchester United. Estávamos a estagiar num hotel, e o senhor estava lá também. Queria jantar com a equipa, mas não queria por respeito ao treinador. Eu fui perguntar-lhe: posso jantar com a SUA equipa? Em Los Angeles, sucedeu algo idêntico com os irmãos Glazer e o resto da família. Queriam ver o treino, mas era à porta fechada. ‘Podemos ir ver o treino’, questionar­am-me. Eu perguntei: ‘Posso treinar a vossa equipa’.

E foram ver?

JM – Claro, a equipa é deles. Acho que bom senso, comunicaçã­o, sem lutas de egos, tudo é possível.

No Sporting passa essa imagem de uma luta de egos?

JM – Não sei. Estou a falar da minha experiênci­a. Como sabem, no FC Porto, ainda no meu tempo, algumas vezes o senhor presidente gostava de se sentar no banco. Qual é o problema? Nunca me disse: Mourinho tira A e mete B. Gostava de estar, desfrutava daquele momento. Por isso, não vejo qualquer tipo de problema. Às vezes há situações que gostamos de dramatizar. Conto outro episódio com um árbitro quando eu estava no Chelsea. Jogávamos no dia 1 de janeiro de 2005

“NO FC PORTO, ALGUMAS VEZES, O SENHOR PRESIDENTE GOSTAVA DE SE SENTAR NO BANCO. QUAL É O PROBLEMA?”

com o Liverpool e estávamos no hotel no dia 31. Havia muita gente e cruzei-me com um árbitro e perguntei-lhe: ‘Que jogo vai apitar amanhã?’ ‘O vosso’, respondeu ele. E eu: ‘o nosso?’ ‘Sim, o vosso, respondeu serenament­e’. Mais: à meia-noite, quando descemos só para comemorar a passagem do ano, o árbitro lá estava e brindou connosco. Tchim-tchim e boa sorte para amanhã. Obviamente, para quem tinha chegado de Portugal há quatro ou cinco meses, pensei: onde é que eu estou? Ummaravilh­oso mundo novo.

JM – Absolutame­nte. Mas é isso, gostamos de dramatizar e a nossa cultura leva-nos nesse sentido.

Disse que era uma injustiça falaremfra­casso sobre RuiVitória. E em relação a Jesus? JM – O Sporting este ano fez uma Liga dos Campeões, boa. Fantástica teria sido cometer o enorme feito de eliminar a Juventus ou o Barcelona. Acabou na posição de sucesso. Ou era o Sporting ou o Olympiacos. Foi para a Liga Europa e foi eliminado pelo At. Madrid. Ganhou a quem tinha a ganhar, perdeu com quem ‘tinha’ de perder. Foi fantástico? Não, para ser tinha de ter afastado o At. Madrid e jogar a final. Ou seja, a carreira europeia do Sporting foi normal, positiva. Ganhou uma Taça CTT – injustamen­te [risos] – e está na final da Taça de Portugal. No campeonato, andou ali. Ou seja, para mim a temporada do Sporting não é negativa.

Mas, apesar disso, neste momento o Sporting está mergulhado numa crise profunda. JM – Analisando as coisas por uma perspetiva positiva, o fracasso do Sporting foi ter a Liga dos Campeões na mão, dependendo de si próprio para se qualificar, bastando ganhar um jogo, e não ganharam. Isso é mau. É fracasso, também a nível financeiro. Aqui, em Inglaterra, a nossa grande luta é que são seis galos para quatro poleiros, os lugares que dão acesso à Champions. Depois, tentamos todos ser galos para um poleiro, mas o primeiro objetivo é ficar no top 4. Há dois que ficam de fora. O ano passado só ficou um porque nós ganhámos a Liga Europa. Este ano saltam Chelsea e Arsenal. É fracasso. Em Portugal, são três galos para dois poleiros. Se o Sporting tem ficado fora antes de ter tido a oportunida­de que conquistou para ir para a última jornada sem precisar de ouvir o relato do Benfica, acabou por ser o momento negativo da época.

“O FRACASSO DO SPORTING FOI TER A CHAMPIONS NA MÃO, BASTANDO VENCER UM JOGO E NÃO GANHARAM. ISSO É MAU”

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