Record (Portugal)

“Quase 600 jogos são prova da minha competênci­a”

- JOSÉ MOTA PUXA DOS GALÕES

O treinador da histórica conquista do Aves no Jamor colocou o foco na final com duas semanas de antecedênc­ia e sentiu uma imensa corrente de fé que, garante, lançou a equipa na busca do triunfo e da felicidade eterna

Quais são as sensações agora que passou quase uma semana da conquista da Taça de Portugal?

JOSÉ MOTA – Obviamente que agora as sensações já não são as mesmas, mas ninguém nos retira o orgulho pelo feito que alcançámos. Claro que caímos mais no nosso dia a dia e na realidade da vida, mas esta conquista vai perdurar para sempre nas nossas memórias. Sou uma pessoa que vive os momentos com muito fervor e muita entrega e este foi vivido de uma forma muito intensa e por todos aqueles que partilhara­m connosco aquelas emoções. Não podemos estar alheios a isso e foram momentos de grande intensidad­e, inesquecív­eis, embora se calhar agora podemos reconhecer que muitas coisas não seriam ditas como foram naquele dia, mas é um dia tão diferente de todos os outros que o melhor é aproveitar isso e viver intensamen­te e com toda a força. E o me- lhor é sermos mesmo assim, pois não temos certezas, mas a verdade é que podemos não ter outro dia assim.

Está a referir-se ao momento mais quente daconferên­ciade imprensaem­que teceu duras críticas à comunicaçã­o social. Sente que exagerou?

JM – Atenção que não retiro uma vírgula ao que disse. Admito que

podia ter dito de outra forma, mas como tudo na vida aquilo também tem uma explicação. Nós somos pessoas atentas ao fenómeno e todas as pessoas das Aves falavam disso nos dias que antecedera­m o jogo. Era incrível a diferença de tratamento…

Em suma, era algo que estava atravessad­o na garganta e naque-

le momento ‘soltou’ tudo? JM – Sim, estava mesmo atravessad­o, porque sentimos que não havia respeito pela nossa equipa. Referi nessa conferênci­a um facto indesmentí­vel, pois estive cerca de 45 minutos quando os jogadores foram para o aqueciment­o a ver a transmissã­o de um canal de televisão que, durante todo esse tempo, deu a chegada do autocarro do Sporting mais do que uma vez, filmou os jogadores e os adeptos do Sporting e do Aves nada! Deu toda a envolvênci­a do nosso adversário no estádio, mas nem sequer uma imagem daquela gente toda, na curva sul, que fez mais de 400 quilómetro­s para estar no Jamor. Não teve essa gentileza e essa obrigação para um povo digno e que é de primeira como toda a gente. Quem não se sente não é filho de boa gente e eu sou filho de boa gente. Respeito toda a gente, mas quando chego a uma conferênci­a de imprensa em que o Aves está a viver um momento único, depois de uma semana em que praticamen­te fo- mos ignorados, e a primeira pergunta era se eu achava que a Taça de Portugal estava em segundo plano depois do que aconteceu com o Sporting, eu aí rebentei e não me segurei. Disse tudo e voltava a dizer. Se calhar de outra forma, mas voltava a dizer…

É o chamado coração perto da boca…

JM – É verdade e por vezes explodimos assim, mas atenção que aquilo aconteceri­a com qualquer pessoa. Não fomos tratados dignamente e somos cidadãos portuguese­s, de primeira como todos e portanto temos de ter o respeito como todos os outros. Esta minha frontalida­de existiu nesse momento, mas não é encenada porque quem me conhece sabe que eu sou assim no meu dia a dia. Digo aquilo que sinto e gosto de ser assim.

Isto é, mesmo passados já alguns dias, mantinha o tom crítico mas dizia as coisas de uma forma mais leve?

JM – Sim… É exatamente assim. Diria aquilo de uma forma mais poli- da. Aliás, se me tivessem feito aquela questão a meio da conferênci­a, se calhar não seria igual, mas atenção que não me arrependo do que disse. Assumo claramente que poderia ter dito aquilo tudo de uma outra forma, digamos que mais ‘simpática’ para todos.

Olhando mais para trás e ainda no que respeita ao jogo propriamen­te dito, onde é que acha que esteve a base desta histórica vitória do Aves?

JM – A base esteve na preparação do jogo para o ganhar. Disse isto várias vezes aos jogadores, que só fazia sentido irmos para o Jamor, fosse contra quem fosse a final, com a clara intenção de jogar o jogo para o ganhar. Foi isso que fizemos e atenção que isto começou logo após o fi-

“NÃO RETIRO UMA VÍRGULA AO QUE DISSE. SÓ DIRIA TUDO AQUILO DE UMA OUTRA FORMA, MAS TUDO TEM EXPLICAÇÃO” “A BASE ESTEVE NA PREPARAÇÃO DO JOGO PARA O GANHAR. SÓ FAZIA SENTIDO IR AO JAMOR COM A CLARA INTENÇÃO DE VENCER”

nal do jogo em Moreira de Cónegos, quando conseguimo­s matematica­mente atingir a permanênci­a na 1ª Liga. A partir desse momento, o foco foi só o Jamor e a final da Taça e o como devíamos fazer para ganhar o jogo. E atenção que este sentimento não estava só enraizado nos jogadores e no grupo de trabalho, pois nós sentimos que essa crença na vitória esteve sempre presente no povo das Aves. Os nossos adeptos foram para o Jamor não só para se divertirem com um acontecime­nto que já era inédito, mas também com a firme ideia de que era possível ganhar ao Sporting. Sentimos isso nos comentário­s deles e esse acreditar foi determinan­te. Nós sabíamos que íamos defrontar aquele que é talvez o melhor plantel de Portugal, com enormes individual­idades que a qualquer momento podem fazer a diferença. Mas ao mesmo tempo sempre sentimos que em 90 minutos ou em 120 também podíamos fazer a nossa história. Atenção que esta história do Aves é como qualquer outra. Nós sabemos que mesmo as grandes equipas dão prioridade a alguns jogos, como até acontece com o Real Madrid que poupou muito o Cristiano a pensar na final da Champions. Nós também fizemos isso e tivemos mais de duas semanas só a pensar no Jamor e a gerir tudo em função disso. A dedicação dos jogadores foi fundamenta­l. Aquele estágio que fizemos em Peniche correu às mil maravilhas e estávamos todos até obcecados para que chegasse o dia da final.

E numa perspetiva meramente pessoal confirmou todas as emoções que previa para uma final do Jamor?

JM – Sem dúvida. Já lá tinha estado a ver outras finais, mas participar é outra coisa. Há ali uma mística envolvente que não se consegue explicar, apenas sentir. É um estádio diferente, que tem uma beleza interessan­te por tudo o que o envolve. Já tinha a ideia que uma final da Taça de Portugal é o jogo mais importante do futebol português e agora tenho mesmo essa certeza. Tive um grande amigo treinador que me disse um dia: “Amigo, nós só temos uma hipótese de singrar não treinando nenhum dos três grandes, que é chegar à final da Taça e ganhar!” Já se sente uma pessoa e um treinador diferentes, depois de conquistar esse sonho de criança, que era não só estar como ganhar uma final do Jamor?

JM – Nada disso. Sou a mesma pessoa e nem admito que me olhem de outra forma.

Mas tem a consciênci­a que a cotação de um treinador aumenta após um momento destes?

JM – Para mim é igual. Digo muitas vezes isto, e até em jeito de brincadeir­a, que a minha cotação esteve sempre em alta, porque tenho algo curioso na minha carreira: fui sempre escolhido pelos presidente­s dos clubes. Foram sempre eles que me quiseram e que me convidaram até a continuar, pois na maior parte das vezes faço sempre contratos de um ano. Estes anos todos tive sempre trabalho, com quase 600 jogos e isso é a prova inequívoca de competênci­a. Se sempre trabalhei, é porque as pessoas acreditam em mim. Foi assim no P. Ferreira, no Leixões, no V. Setúbal, no Belenenses, no Feirense e no Aves. É sinal de que as pessoas gostaram sempre do meu trabalho. *

“SOU AMESMAPESS­OA E NEM ADMITOQUEM­EOLHEMDEOU­TRA FORMA. A MINHA COTAÇÃO ESTEVE SEMPRE EM ALTA”

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