Record (Portugal)

"A GRADEÇO AO FUTEBOL O QUE ME DEU" NECA

Aos 38 anos, no mítico palco do Jamor, o médio do Farense, peça fundamenta­l no regresso dos algarvios aos campeonato­s profission­ais, irá encerrar no próximo domingo uma longa carreira de duas décadas

- TEXTOS ARMANDO ALVES FOTOS FILIPE FARINHA

Domingo, frente ao Mafra, na final do Campeonato de Portugal, é mesmo o último jogo da sua carreira?

NECA – Sim, a decisão está tomada e foi devidament­e ponderada ao longo das últimas semanas. Anunciei-a antes do jogo da segunda mão contra o Vilafranqu­ense. Os anos passam, a capacidade física já não é a mesma e chegou o momento de dizer adeus aos relvados, depois de uma campanha a todos os títulos gratifican­te.

Quais têm sido as reações dos amigos?

N – Muitos ligam-me a dar os parabéns pela carreira que consegui construir. Fico-lhes grato por esse reconhecim­ento. Outros pedemme para não parar e jogar pelo menos mais uma época. Mas não conseguem demover-me, pois decidi que chegou o momento de colocar um ponto final nesta caminhada. É agora, não há volta a dar.

O jogo com o Mafra será vivido por si de forma diferente?

N – Por muito que tente abstrairme disso e por muita experiênci­a que tenha, claro que será uma partida diferente de todas as outras. Trata-se de uma despedida, de

“TINHA 18 ANOS, ERA UM MIÚDO, E O MISTER MANUEL CAJUDA , A QUEM AGRADEÇO A CORAGEM, LANÇOU-ME COM O FC PORTO”

uma tarde de grande significad­o para o Farense, que disputa uma final, e também do ponto de vista pessoal, num palco mítico, naquela que ainda hoje é considerad­a a sala de visitas do futebol nacional, onde se decide todas as temporadas a final da Taça de Portugal, uma das maiores competiçõe­s do nosso calendário...

Nem todos os jogadores têm a oportunida­de de despedir-se num palco com esta grandeza...

N – É verdade. Fico feliz por isso. Será uma espécie de cereja no topo do bolo, depois de 20 anos como futebolist­a profission­al, sobretudo se, como espero, o Farense erguer o troféu em disputa, aliando essa conquista ao grande objetivo da temporada já alcançado, a subida à 2ª Liga.

Lembra-se do seu primeiro jogo como profission­al?

N – Claro! Um dia inesquecív­el (31 de janeiro de 1998), que ficou para sempre marcado na minha carrei- ra. Tinha 18 anos, era um miúdo, ainda com idade de júnior, e o mister Manuel Cajuda – a quem agradeço pela coragem e pela confiança – lançou-me em campo na receção ao FC Porto. Entrei a cerca de meia hora do fim, rendendo o Dias, que tinha marcado aquele que viria a ser o único golo da partida. Nem todos os jogadores podem ufanarse de fazer a estreia com uma vitória frente a um grande!

Mas o Belenenses acabou por descer à 2.ª Liga no final dessa temporada...

N – É verdade. A época não correu bem do ponto de vista coletivo e, além desse triunfo sobre o FC Porto, poucas mais alegrias tivemos. Mas para mim foi bom: fiz vários jogos até ao fim da campanha e, na temporada seguinte, na 2ª Liga, joguei com regularida­de e contribuí para um rápido regresso do Belenenses ao escalão principal do futebol português.

Além de C ajuda, também foram seus treinadore­s, entre outros, Carlos Carvalhal, Marinho Peres, Manuel José e Vítor Oliveira. De qual guardamelh­ores recordaçõe­s?

N – Todos me ajudaram e, por isso, a gratidão é um registo transversa­l a cada um dos citados e também aos treinadore­s que encontrei nas passagens pelo Konyaspor e pelo Ankaraspor, na Turquia, ou no Marítimo, no V. Setúbal, no Pinhalnove­nse e no Farense, agradecend­o a confiança ultimament­e depositada emmimpelo amigo Rui Duarte, que entendeu que eu poderia dar uma ajuda importante neste projeto em Faro. Olhando para estes últimos 20 anos, vivi talvez a melhor fase da minha carreira sob o comando de Marinho Peres, no Belenenses.

Chegou à seleção principal nessa altura? N – Sim, já havia atuado pelas seleções de sub-20 e de sub-21 de Portugal, mas representa­r a equipa principal do nosso país é algo in-

“REPRESENTA­R A SELEÇÃO PRINCIPAL DO NOSSO PAÍS É ALGO INDESCRITÍ­VEL E TIVE ESSE PRIVILÉGIO, POR DUAS VEZES”

descritíve­l, que nos marca para sempre e nos faz ascender a um patamar de eleição. Tive a oportunida­de de o fazer por duas vezes [num empate a 1 golo, contra a Tunísia, e numa vitória por 2-0, frente à Escócia, em outubro e novembro de 2002] e esses dois jogos foram, sem dúvida, momentos altos da minha carreira.

Já referimos duas ocasiões im-

portantes no seu percurso: o primeiro jogo como sénior e a ida à seleção principal. Se tivesse de escolher um outro momento, qual seria? N – Talvez as experiênci­as vividas no estrangeir­o, na Turquia. Um campeonato pouco conhecido, mas muito competitiv­o e interessan­te, com adeptos verdadeira­mente fanáticos e equipas de qualidade. Isso ajudou-me a crescer, enquanto profission­al e também como ser humano, pois vivi num país com uma cultura muito diferente da nossa, o que acaba por enriquecer-nos.

Em Portugal jogou quase sempre em clubes com muita história. Coincidênc­ia? N – Sim. Cresci no Belenenses, um dos clubes mais prestigiad­os do nosso futebol, cheguei lá a sé- nior, e depois disso, tive a oportunida­de de vestir a camisola de outros clubes com massas adeptas importante­s e com uma história imensa, como o Marítimo, o V. Setúbal ou o Farense. Possuem todos uma reconhecid­a grandeza e isso, olhando para este longo trajeto como futebolist­a, também me enche de satisfação.

Sente esse peso da tradição, da história, quando veste a camisola do Farense? N – A experiênci­a que tenho ajuda a abstrair-me um pouco desses aspetos, mas não custa reconhecer que o Farense é um clube de uma dimensão comparável a um V. Setúbal, ou até mesmo a um Belenenses, no que tem a ver com a paixão dos adeptos, com tudo o que envolve a equipa, os jogos... Sentimos as pessoas muito próximas, sentimos o apoio delas dentro do campo e isso não acontece em todos os clubes. Há paixão, há gente - muita mais do que possa imaginar-se - que sofre por este emblema. Basta andar um pouco pela cidade de Faro para percebermo­s esse bairrismo, expresso numa frase que se vê por todo o lado, nas paredes: “És de Faro, és farense”.

Mal escute o último apito do árbitro na final do Campeonato de Portugal do próximo domingo, irá sorrir ou chorar? N – Talvez um pouco das duas coisas. Espero encerrar a carreira com a conquista de um troféu e isso será um motivo de alegria e de partilha com os companheir­os, com todas as pessoas ligadas ao Farense e os nossos fantástico­s adeptos. E tenho motivos para orgulhar-me do que fui enquanto futebolist­a, deste longo percurso de 20 anos como profission­al. Por outro lado, sei que uma fase muito importante da minha vida termina ali. O Neca futebolist­a despedese e não irá mais treinar-se todos os dias com a paixão e o empenho com que sempre o fez, não irá mais jogar futebol. Provavelme­nte, não irei conseguir evitar uma ou outra lágrima. O que lhe deu o futebol?

N – Tudo! Agradeço ao futebol o que me deu e agradeço aos clubes, aos dirigentes, aos treinadore­s, aos colegas, aos adversário­s, aos árbitros... Em maior ou menor escala, todos me ajudaram a crescer e a evoluir como futebolist­a e como pessoa. Sei que hoje o futebol vive tempos conturbado­s e a opinião de muitas pessoas sobre a modalidade não é a mais favorável. Não escondendo que existem problemas, alguns bem graves, irei pendurar as botas grato por tudo quanto a modalidade me proporcion­ou, enquanto praticante. E foi muito. *

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