"A GRADEÇO AO FUTEBOL O QUE ME DEU" NECA
Aos 38 anos, no mítico palco do Jamor, o médio do Farense, peça fundamental no regresso dos algarvios aos campeonatos profissionais, irá encerrar no próximo domingo uma longa carreira de duas décadas
Domingo, frente ao Mafra, na final do Campeonato de Portugal, é mesmo o último jogo da sua carreira?
NECA – Sim, a decisão está tomada e foi devidamente ponderada ao longo das últimas semanas. Anunciei-a antes do jogo da segunda mão contra o Vilafranquense. Os anos passam, a capacidade física já não é a mesma e chegou o momento de dizer adeus aos relvados, depois de uma campanha a todos os títulos gratificante.
Quais têm sido as reações dos amigos?
N – Muitos ligam-me a dar os parabéns pela carreira que consegui construir. Fico-lhes grato por esse reconhecimento. Outros pedemme para não parar e jogar pelo menos mais uma época. Mas não conseguem demover-me, pois decidi que chegou o momento de colocar um ponto final nesta caminhada. É agora, não há volta a dar.
O jogo com o Mafra será vivido por si de forma diferente?
N – Por muito que tente abstrairme disso e por muita experiência que tenha, claro que será uma partida diferente de todas as outras. Trata-se de uma despedida, de
“TINHA 18 ANOS, ERA UM MIÚDO, E O MISTER MANUEL CAJUDA , A QUEM AGRADEÇO A CORAGEM, LANÇOU-ME COM O FC PORTO”
uma tarde de grande significado para o Farense, que disputa uma final, e também do ponto de vista pessoal, num palco mítico, naquela que ainda hoje é considerada a sala de visitas do futebol nacional, onde se decide todas as temporadas a final da Taça de Portugal, uma das maiores competições do nosso calendário...
Nem todos os jogadores têm a oportunidade de despedir-se num palco com esta grandeza...
N – É verdade. Fico feliz por isso. Será uma espécie de cereja no topo do bolo, depois de 20 anos como futebolista profissional, sobretudo se, como espero, o Farense erguer o troféu em disputa, aliando essa conquista ao grande objetivo da temporada já alcançado, a subida à 2ª Liga.
Lembra-se do seu primeiro jogo como profissional?
N – Claro! Um dia inesquecível (31 de janeiro de 1998), que ficou para sempre marcado na minha carrei- ra. Tinha 18 anos, era um miúdo, ainda com idade de júnior, e o mister Manuel Cajuda – a quem agradeço pela coragem e pela confiança – lançou-me em campo na receção ao FC Porto. Entrei a cerca de meia hora do fim, rendendo o Dias, que tinha marcado aquele que viria a ser o único golo da partida. Nem todos os jogadores podem ufanarse de fazer a estreia com uma vitória frente a um grande!
Mas o Belenenses acabou por descer à 2.ª Liga no final dessa temporada...
N – É verdade. A época não correu bem do ponto de vista coletivo e, além desse triunfo sobre o FC Porto, poucas mais alegrias tivemos. Mas para mim foi bom: fiz vários jogos até ao fim da campanha e, na temporada seguinte, na 2ª Liga, joguei com regularidade e contribuí para um rápido regresso do Belenenses ao escalão principal do futebol português.
Além de C ajuda, também foram seus treinadores, entre outros, Carlos Carvalhal, Marinho Peres, Manuel José e Vítor Oliveira. De qual guardamelhores recordações?
N – Todos me ajudaram e, por isso, a gratidão é um registo transversal a cada um dos citados e também aos treinadores que encontrei nas passagens pelo Konyaspor e pelo Ankaraspor, na Turquia, ou no Marítimo, no V. Setúbal, no Pinhalnovense e no Farense, agradecendo a confiança ultimamente depositada emmimpelo amigo Rui Duarte, que entendeu que eu poderia dar uma ajuda importante neste projeto em Faro. Olhando para estes últimos 20 anos, vivi talvez a melhor fase da minha carreira sob o comando de Marinho Peres, no Belenenses.
Chegou à seleção principal nessa altura? N – Sim, já havia atuado pelas seleções de sub-20 e de sub-21 de Portugal, mas representar a equipa principal do nosso país é algo in-
“REPRESENTAR A SELEÇÃO PRINCIPAL DO NOSSO PAÍS É ALGO INDESCRITÍVEL E TIVE ESSE PRIVILÉGIO, POR DUAS VEZES”
descritível, que nos marca para sempre e nos faz ascender a um patamar de eleição. Tive a oportunidade de o fazer por duas vezes [num empate a 1 golo, contra a Tunísia, e numa vitória por 2-0, frente à Escócia, em outubro e novembro de 2002] e esses dois jogos foram, sem dúvida, momentos altos da minha carreira.
Já referimos duas ocasiões im-
portantes no seu percurso: o primeiro jogo como sénior e a ida à seleção principal. Se tivesse de escolher um outro momento, qual seria? N – Talvez as experiências vividas no estrangeiro, na Turquia. Um campeonato pouco conhecido, mas muito competitivo e interessante, com adeptos verdadeiramente fanáticos e equipas de qualidade. Isso ajudou-me a crescer, enquanto profissional e também como ser humano, pois vivi num país com uma cultura muito diferente da nossa, o que acaba por enriquecer-nos.
Em Portugal jogou quase sempre em clubes com muita história. Coincidência? N – Sim. Cresci no Belenenses, um dos clubes mais prestigiados do nosso futebol, cheguei lá a sé- nior, e depois disso, tive a oportunidade de vestir a camisola de outros clubes com massas adeptas importantes e com uma história imensa, como o Marítimo, o V. Setúbal ou o Farense. Possuem todos uma reconhecida grandeza e isso, olhando para este longo trajeto como futebolista, também me enche de satisfação.
Sente esse peso da tradição, da história, quando veste a camisola do Farense? N – A experiência que tenho ajuda a abstrair-me um pouco desses aspetos, mas não custa reconhecer que o Farense é um clube de uma dimensão comparável a um V. Setúbal, ou até mesmo a um Belenenses, no que tem a ver com a paixão dos adeptos, com tudo o que envolve a equipa, os jogos... Sentimos as pessoas muito próximas, sentimos o apoio delas dentro do campo e isso não acontece em todos os clubes. Há paixão, há gente - muita mais do que possa imaginar-se - que sofre por este emblema. Basta andar um pouco pela cidade de Faro para percebermos esse bairrismo, expresso numa frase que se vê por todo o lado, nas paredes: “És de Faro, és farense”.
Mal escute o último apito do árbitro na final do Campeonato de Portugal do próximo domingo, irá sorrir ou chorar? N – Talvez um pouco das duas coisas. Espero encerrar a carreira com a conquista de um troféu e isso será um motivo de alegria e de partilha com os companheiros, com todas as pessoas ligadas ao Farense e os nossos fantásticos adeptos. E tenho motivos para orgulhar-me do que fui enquanto futebolista, deste longo percurso de 20 anos como profissional. Por outro lado, sei que uma fase muito importante da minha vida termina ali. O Neca futebolista despedese e não irá mais treinar-se todos os dias com a paixão e o empenho com que sempre o fez, não irá mais jogar futebol. Provavelmente, não irei conseguir evitar uma ou outra lágrima. O que lhe deu o futebol?
N – Tudo! Agradeço ao futebol o que me deu e agradeço aos clubes, aos dirigentes, aos treinadores, aos colegas, aos adversários, aos árbitros... Em maior ou menor escala, todos me ajudaram a crescer e a evoluir como futebolista e como pessoa. Sei que hoje o futebol vive tempos conturbados e a opinião de muitas pessoas sobre a modalidade não é a mais favorável. Não escondendo que existem problemas, alguns bem graves, irei pendurar as botas grato por tudo quanto a modalidade me proporcionou, enquanto praticante. E foi muito. *