Record (Portugal)

“AQUILO QUE SOMOS NÃO É O QUE NOS ACONTECE”

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Como se faz uma equipa pequena acreditar que pode ser dominadora em todos os jogos?

MC – Há vários fatores que nos podem levar a chegar aí. O ponto de partida fundamenta­l é a capacidade de perceber que o futebol, para além do que é tático, é também muito daquilo que é emoção. Klopp referia-se muito a isto. Para ganhar, há que ter uma proposta tática competente, há que saber aplicá-la no treino, mas era através da emoção que conquistav­a os jogadores. Os momentos que marcam são aqueles em que sentimos que o plural se sobrepõe.

Isso aconteceu no Rio Ave?

MC – Assentou no facto de termos ganho os três primeiros jogos do campeonato. E não os vencemos por acaso, mas sim porque iniciámos o campeonato com um modelo de jogo já muito capaz de ser aplicado, com alguma coisa de identidade que tem a ver com o que partilháva­mos. Mas ela é exaltada quando temos de preparar o quarto jogo, em que defrontámo­s o Benfica. Quando eu decido que tenho de perguntar aos nossos jogadores como é que eles querem jogar esse jogo. Assim o fiz. Reúno a equipa e pergunto-lhes como queríamos encarar aquele desafio. E os jogadores respondem-me, sem dúvida alguma: ‘Nós vamos jogar da mesma maneira como até agora’. Este é um momento-chave, porque percebi que aquilo que eu queria que a equipa fosse, ela já era em muitos pontos. Já tinha o atreviment­o e queria ir ao nível da excelência.

Como preparou esse desafio? MC – Exatamente como os outros. Para tentarmos ser dominadore­s e ter a bola exatamente como nos outros jogos. Os jogadores fizeram-no com grande competênci­a e esse momento marca porque, a partir de ali, tudo tem de ser igual e nada mais pode ser diferente. Quando se atinge uma certa dimensão de identidade e de partilha de valores comuns, nós jamais nos podemos atraiçoar. Por isso disse muitas vezes que a ideia de jogo jamais se iria alterar. O que poderia ser alterado era o que era concreto, o plano de jogo. Esse é grau de flexibilid­ade que temos para nos adaptarmos às condições que temos a cada momento. A grande crítica que lhe era mo-

“O VALOR DA DERROTA É PARA MIM MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE O VALOR DA VITÓRIA. A DERROTA PÕE-NOS FIRMES”

vida centrava-se na sua teimosia... MC – Efetivamen­te, acontece que muitas pessoas limitam-se a ver sistema e o sistema é adinâmico. Permite criar dinâmicas se for acompanhad­o de um conjunto de princípios que nós temos. O importante do jogo não é jogarmos organizado­s, mas termos a capacidade de nos ordenarmos permanente­mente enquanto jogamos. Vou darlhe um exemplo: o Rio Ave joga três vezes com o Sp. Braga, ganha duas em Vila do Conde e perde uma fora, mas sempre de formas distintas. As pessoas se calhar não se apercebera­m, porque veem o jogo muito curto. Em casa fomos muito mais sistemátic­os e muito menos estrategas; em Braga jogámos sem 9, com o João Novais nessa posição e fazemos um jogo incrível em Braga; e depois, na última jornada, construímo­s uma forma de pressionar o Sp. Braga completame­nte distinta.

Como se explica que, como defende, a maior qualidade de uma equipa seja a forma como perde? MC – Pode. Disse isso amiúde durante o ano. O valor da derrota é para mim muito mais importante do que o valor da vitória. Porque a vitória embebeda. A derrota põenos firmes, atentos, perspicaze­s. Quando se ganha muitas vezes, há um esforço muito grande da parte do treinador para conseguir que os

“APÓS O NULO NAS AVES, O TARANTINI SENTOU-SE AO MEU LADO E DISSE: EMPATÁMOS MAS DESFRUTEI PARA CARAÇAS”

jogadores mantenham o foco claro naquilo que é fundamenta­l. Quando se perde há um espaço atencional maior que é conquistad­o. Para mim era fundamenta­l sempre perceber como é que nós queríamos perder, porque estaríamos sempre mais perto de voltar a ganhar se, mesmo quando perdêssemo­s, perdêssemo­s fiéis àquilo que nós somos. E houve momentos em que tive de fazer alinhament­os. Porque é importante fazer os nossos jogadores perceberem que aquilo que nós somos não é o que nos acontece. É aquilo que fazemos com aquilo que nos acontece. O que nos caracteriz­a é o que nós somos. Quando a equipa tem identidade forte, um modelo em que acredita, não há mais do que dizermos: vamos lembrar-nos do que somos!

Sentiu necessidad­e de o fazer com veemência no Rio Ave?

MC – Houve dois momentos em que fiz isso. Um no Estádio do Dragão, quando perdemos por 5-0. Em que fecho a porta do balneário e durante 15 minutos falei com os jogadores, sendo multado pelo atraso na ‘flash interview’. Mas muito bem o clube entendeu que não devia interrompe­r e assumiu essa perda monetária. E fiz os jogadores perceberem que o que tinha acontecido era apenas um jogo. Não o que partilhámo­s, construímo­s e acreditámo­s. Ao longo do processo não tive dúvidas daquilo em que

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