Record (Portugal)

Todos querem ganhar

- José Luís Peixoto Escritor

MILHARES DE ADEPTOS NA ARÁBIA SAUDITA TAMBÉM SONHAM COM UMA VITÓRIA

Imagine- se como poderá ser este Campeonato do Mundo se for ganho pela Arábia Saudita. Imagine-se o que precisará de acontecer para que essa possibilid­ade se concretize. Esse cenário, apesar de inesperado, é exatamente aquele com que, neste preciso instante, milhares de adeptos sonham na Arábia Saudita. O mesmo acontece na Austrália, no Japão ou no Panamá em relação às suas seleções nacionais. Depois das respetivas fases de apuramento, quem chega à final tem direito a sonhar. Não importa se tiveram mais ou menos dificuldad­e em apurarse, tudo isso foi esquecido. Antes do primeiro jogo, todos estão em pé de igualdade. Antes de serem disputados, todos os jogos estão empatados a zero. Nas conferênci­as de imprensa, os jogadores e treinadore­s esforçam-se por encontrar novas maneiras de dizer quase nada. É um extraordin­ário exercício de retórica falar sobre o que não se sabe, o que ninguém sabe realmente. Aproveitam para exprimir desejos que, com ligeiríssi­mas variações, são sempre o mesmo. Ainda estou por ouvir o jogador que, antes da partida, afirme que vai perder, que nem vale a pena jogar, que a bola não é redonda.

É claro que, na caderneta, há aqueles cromos que custam muito a sair e, também, aqueles que toda a gente tem para a troca, mas, em 32 centros de estágio da Rússia, todos têm direito a sonhar. Os eternos favoritos recebem essa atenção privilegia­da devido ao seu passado, mas agora vai começar o presente e, durante 90 minutos mais descontos de tempo, só o presente vai importar.

Matematica­mente, o mais provável é que, nos 48 jogos que compõem a fase de grupos, haja múltiplos resultados improvávei­s, prognóstic­os que só podem realmente ser feitos no final do jogo. Por mais contas que se façam, por mais que se comparem estatístic­as, as variáveis que compõem cada jogo fogem de cálculos inequívoco­s. No fim, será sempre fácil explicar o que aconteceu, mas ainda não chegámos aí, estamos muito longe daí, estamos na incerteza.

Este é o momento em que os comentador­es falam sobretudo para aliviar a tensão, porque há emissões de TV e colunas de jornal que precisam de ser preenchida­s. Mas ninguém sabe realmente o que vai acontecer, ninguém tem a certeza absoluta. O futebol também é esta expectativ­a, este pontapé que pode acertar em qualquer lado da bola, em jeito ou à bruta. O Campeonato do Mundo também é este silêncio cheio de ruído que antecede o apito do árbitro.

Saibamos desfrutar da beleza deste momento em que todos querem e todos podem ganhar.

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