O brinquedo do Ronaldo
FEZ MUITO, FEZ QUASE TUDO E ATÉ COM POUCA BOLA. AFINAL, LEMBRANDO A CRIANÇA QUE, COM TÃO POUCO, RI MUITO E É FELIZ, POR OPOSIÇÃO A OUTRA QUE TEM TUDO, MAS NÃO RI, PORQUE DESPERDIÇA E DESFRUTA MENOS
O meu querido Eusébio, qualquer que fosse a cerimónia, mais ainda se tivesse algum peso institucional, proferia sempre a mesma frase. Dizia: “Não sei nem tenho jeito para discursar, o meu discurso era no campo, era a jogar à bola”. Tal como a ele, também ouvi Di Stéfano dizer o mesmo. Afinal, dois génios, génios imortais, que faziam das consoantes passes e das vogais golos. Até com poética, a poética no limite máximo que um futebolista pode oferecer.
Cristiano Ronaldo tem uma folha de serviços imponente, prestada ao futebol mundial. Bate registos e mais registos, bate recordes e mais recordes. Parece não ter limites, muito para regozijo nacional. Também discursa na relva com uma majestade tal, que arrisca ser sempre o melhor orador, discorrendo as tais consoantes e as tais vogais que dele fazem o tribuno sempre aclamado.
A exibição frente à Espanha, com três golos na conta pessoal,
fixam-no, em termos definitivos, no patamar superior dos grandes artistas do futebol. Cativou o lugar e jamais a história da bola vai deixar de o colocar em todos os manuais da perfeição. A par de Eusébio, faz plural numa conquista portuguesa que tantas nações ambicionariam.
Não era nada fácil garantir um desfecho positivo perante a Espanha.
O nosso adversário até foi mais do mesmo. Não é crítica, é elogio, grande elogio. Os espanhóis, numa década prodigiosa, tantos são os triunfos, estão sempre na frente, sempre à frente do jogo. Atuam assim, porque usufruem de um potencial quase inesgotável, rotinas assimiladas, capacidades apreendidas.
AEspanha quer a bola, quer sempre a bola.
Melhor, melhor ainda, sabe o que fazer com ela. Os oponentes, por norma, andam atrás da bola, que o mesmo é dizer, andam atrás do jogo. No embate recente foi muito assim. A Espanha cansa, a Espanha desgasta, baralha o antagonista, perturba-lhe a concentração. Defrontar a Espanha é um duro teste à resistência física, não menos à resistência mental.
Não ter bola fatiga muito, mais ainda psicologicamente.
Já ter bola dá prazer e o prazer não fatiga. Ou fatiga… de prazer. Com raríssimas exceções e muito menos num certame como um Mundial, a formação mais prazenteira é aquela que atinge os seus objetivos. A diferença foi Cristiano Ronaldo. Desequilibrando, ajudou a equilibrar. Fez muito, fez quase tudo e até com pouca bola. Afinal, lembrando a criança que, com tão pouco, ri muito e é feliz, por oposição à outra criança que tem tudo, mas não ri, porque desperdiça, porque desfruta menos, muito menos.
JAMAIS A HISTÓRIA DA BOLA VAI DEIXAR DE COLOCAR CR7 EM TODOS OS MANUAIS