Record (Portugal)

O brinquedo do Ronaldo

FEZ MUITO, FEZ QUASE TUDO E ATÉ COM POUCA BOLA. AFINAL, LEMBRANDO A CRIANÇA QUE, COM TÃO POUCO, RI MUITO E É FELIZ, POR OPOSIÇÃO A OUTRA QUE TEM TUDO, MAS NÃO RI, PORQUE DESPERDIÇA E DESFRUTA MENOS

- António Simões

O meu querido Eusébio, qualquer que fosse a cerimónia, mais ainda se tivesse algum peso institucio­nal, proferia sempre a mesma frase. Dizia: “Não sei nem tenho jeito para discursar, o meu discurso era no campo, era a jogar à bola”. Tal como a ele, também ouvi Di Stéfano dizer o mesmo. Afinal, dois génios, génios imortais, que faziam das consoantes passes e das vogais golos. Até com poética, a poética no limite máximo que um futebolist­a pode oferecer.

Cristiano Ronaldo tem uma folha de serviços imponente, prestada ao futebol mundial. Bate registos e mais registos, bate recordes e mais recordes. Parece não ter limites, muito para regozijo nacional. Também discursa na relva com uma majestade tal, que arrisca ser sempre o melhor orador, discorrend­o as tais consoantes e as tais vogais que dele fazem o tribuno sempre aclamado.

A exibição frente à Espanha, com três golos na conta pessoal,

fixam-no, em termos definitivo­s, no patamar superior dos grandes artistas do futebol. Cativou o lugar e jamais a história da bola vai deixar de o colocar em todos os manuais da perfeição. A par de Eusébio, faz plural numa conquista portuguesa que tantas nações ambicionar­iam.

Não era nada fácil garantir um desfecho positivo perante a Espanha.

O nosso adversário até foi mais do mesmo. Não é crítica, é elogio, grande elogio. Os espanhóis, numa década prodigiosa, tantos são os triunfos, estão sempre na frente, sempre à frente do jogo. Atuam assim, porque usufruem de um potencial quase inesgotáve­l, rotinas assimilada­s, capacidade­s apreendida­s.

AEspanha quer a bola, quer sempre a bola.

Melhor, melhor ainda, sabe o que fazer com ela. Os oponentes, por norma, andam atrás da bola, que o mesmo é dizer, andam atrás do jogo. No embate recente foi muito assim. A Espanha cansa, a Espanha desgasta, baralha o antagonist­a, perturba-lhe a concentraç­ão. Defrontar a Espanha é um duro teste à resistênci­a física, não menos à resistênci­a mental.

Não ter bola fatiga muito, mais ainda psicologic­amente.

Já ter bola dá prazer e o prazer não fatiga. Ou fatiga… de prazer. Com raríssimas exceções e muito menos num certame como um Mundial, a formação mais prazenteir­a é aquela que atinge os seus objetivos. A diferença foi Cristiano Ronaldo. Desequilib­rando, ajudou a equilibrar. Fez muito, fez quase tudo e até com pouca bola. Afinal, lembrando a criança que, com tão pouco, ri muito e é feliz, por oposição à outra criança que tem tudo, mas não ri, porque desperdiça, porque desfruta menos, muito menos.

JAMAIS A HISTÓRIA DA BOLA VAI DEIXAR DE COLOCAR CR7 EM TODOS OS MANUAIS

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